EQUIPA DA ADF
Boaventura Martins tem estado a pescar ao largo da ilha de Maio por 40 anos.
Maio faz parte do arquipélago de Cabo Verde, um grupo de ilhas de 620 quilómetros, ao largo da costa oeste de África, onde as águas alguma vez ficaram repletas de tubarões, baleias, raias, tartarugas marinhas, atum e espadins azuis. Anos atrás, Martins podia retirar centenas de quilogramas de peixe do oceano azul-turquesa num dia, mas agora diz que é com muita sorte que pesca 10 quilogramas por dia.
Um influxo de mergulhadores e arrastões semi-industriais são os culpados pelo declínio das unidades populacionais de peixe, Martins e outros pescadores artesanais disseram ao jornal britânico, The Guardian.
Em 2016, alguns pescadores locais começaram a resistir através dos Guardiões do Mar, um programa criado pela Fundação Maio Biodiversidade (FMB), um parceiro local da Fauna & Flora International (FFI), para acabar com a pesca ilegal.
“Mesmo que não me apeteça pescar, sairei para fazer o meu trabalho como Guardião,” Martins, de 60 anos de idade, disse ao The Guardian. “Porque se continuarmos a avançar a este ritmo, eventualmente não teremos mais peixe.”
Sara Ratão, a coordenadora do programa marinho e terrestre da fundação, disse que o programa foi inicialmente começado para acabar com a caça furtiva da tartaruga.
“Mais tarde, expandimos o projecto para incluir a monitoria de outras espécies protegidas, assim como combater outras actividades de pesca ilegal,” disse Ratão num artigo da página da internet da FFI.
Diferentemente da pesca ilegal próximo da costa da África Ocidental, onde os países estrangeiros cometem a maior parte dos crimes marítimos, a pesca ilegal em Maio é maioritariamente perpetrada por arrastões semi-industriais de Santiago, a principal ilha de Cabo Verde.
Os pescadores de Maio disseram ao The Guardian que os actos ilegais são principalmente cometidos a menos de 3 milhas náuticas da linha da costa, uma área designada para a pesca artesanal. Maio possui apenas um inspector das pescas para fazer a monitoria da sua linha de costa de 80 quilómetros.
Quando o programa dos Guardiões começou, os membros, muitas vezes, tiravam fotografias de barcos e mergulhadores que pescavam de forma ilegal, mas essa prática levou a confrontos. Agora, eles escrevem aquilo que testemunham, incluindo as espécies marinhas que encontram. Os 20 Guardiões da ilha registaram mais de 240 infracções nos últimos quatro anos, de acordo com o jornal.
Ratão explicou que os dados são partilhados com as autoridades na esperança de encorajar os oficiais a alocarem mais recursos para as inspecções da pesca. Ela disse ter ficado consternada este ano quando Cabo Verde legalizou o uso de tanques de mergulho para a pesca e aprovou a construção de um grande projecto de desenvolvimento em Maio, que irá incluir uma estância turística, casino, condomínios de luxo e um centro de negócios.
“Isso é numa ilha onde quase que já não existe água suficiente para sustentar a população actual,” Ratão disse ao The Guardian. Maio possui uma população de pouco mais de 8.300 habitantes.
Os residentes locais também estão preocupados com um acordo de cinco anos que Cabo Verde assinou com a União Europeia, em 2019, que permite que 69 embarcações dos países da EU pesquem nas águas do arquipélago.
Uma Pressão Sobre os Pescadores Artesanais
Apesar dos esforços do programa, o Guardião Carlitos Fernandes, de 37 anos de idade, disse que ele e outros pescadores de pequena escala têm de viajar distâncias mais longas, permanecer no mar por mais tempo e, muitas vezes, regressar com uma quantidade desencorajadora de peixe.
“Fico mais cansado e mais deprimido,” disse Fernandes ao The Guardian. “Às vezes não pesco nada.”
Mas o programa tem sido benéfico também, de acordo com o irmão de Fernandes, Filipovic Fernandes, que também é um Guardião. Antes do seu início, ele disse que via pescadores capturarem a tartaruga marinha todos os dias.
“Agora, quando há um Guardião por perto, eles não as capturam,” contou ao jornal.
Os Guardiões começaram um outro programa no ano passado na Ilha do Sal, onde os mesmos arrastões de Santiago, que pescam ilegalmente em Maio, também foram vistos. O programa dos Guardiões da Ilha do Sal conta com 40 membros. A Ilha da Boa Vista, vizinha da Ilha do Sal, também está a implementar um programa dos Guardiões.