Os grupos rebeldes extremistas do Mali há muito que traficam cocaína, se dedicam à extracção ilegal de ouro e ao rapto de reféns para obterem resgate para financiar as suas operações.
Enquanto grupos como o Estado Islâmico no Grande Saara (ISGS) e a Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM) competem para alargar as suas esferas de influência e controlar as linhas de abastecimento no país, estão a recorrer ao roubo de gado, de acordo com um relatório da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
“O roubo de gado está directamente ligado ao actual conflito armado, uma vez que as comunidades lançam ataques e contra-ataques de retaliação no Mali e nas zonas fronteiriças,” disse à GI-TOC um chefe de aldeia na região de Tombuctu, no norte do Mali.
O volume de gado roubado nas regiões de Gao, Ménaka, Mopti e Tombuctu, no Mali, em 2021, não teve precedentes. Na região de Mopti, considerada o epicentro do roubo de gado no país, o número de bovinos roubados aumentou em 42.000, atingindo quase 130.000 em 2021, de acordo com a GI-TOC.
Os residentes locais dizem que os grupos extremistas se instalam habitualmente junto a pontos de água utilizados pelo gado e roubam os animais quando estes vêm beber água. Mahamad Ag Moustapha, presidente da comuna de Inekar, na região de Ménaka, disse que perdeu mais de 84.000 dólares em gado quando um grupo extremista atacou a sua cidade.
“Não há animais num raio de 300 quilómetros da cidade de Ménaka,” disse Moustapha à The Associated Press (AP). “Os terroristas estão a tentar enfraquecer economicamente a população para que esta não financie a resistência.”
Muitos dos rebanhos roubados do Mali são levados para Burquina Faso, Costa do Marfim, Mauritânia e Níger, enquanto alguns vão até Benin, Nigéria e Togo. Pelo caminho, os grupos extremistas controlam os preços e as condições comerciais. Os lucros são normalmente utilizados para comprar armas e veículos.
“Ao contrário de outros mercados criminosos (como a cocaína ou o rapto), o roubo de gado provou ser uma fonte de rendimento resistente e estável para os grupos armados, uma vez que o Mali é um importante produtor e exportador regional de gado,” Flore Berger, analista sobre o Sahel na GI-TOC, disse à AP. “É provável que o roubo de gado continue a ser uma fonte de rendimento, porque os países da região continuarão a comprar gado ao Mali.”
De acordo com a GI-TOC, os grupos extremistas envolveram-se cada vez mais no roubo de gado depois de as forças francesas e europeias terem saído do país, em 2021 e 2022.
Os roubos de gado continuaram em 2023.
Em Março, um grupo rebelde atacou um mercado no centro do Mali, matando dezenas de pessoas e roubando vacas e camelos no valor de 10.000 dólares.
“Perdemos tudo,” disse Ayouba Ag Nadroun, de 62 anos de idade, à AP.
Tanto o ISGS como a JNIM estão activos na região da tríplice fronteira do Mali com o Burquina Faso e o Níger, uma zona importante de conflito e instabilidade. Os grupos extremistas tornaram-se peritos em exacerbar as tensões intercomunitárias, ao mesmo tempo que intervêm nelas para poderem ser vistos como provedores de justiça.
Um pastor da região de Tombuctu disse à GI-TOC que os grupos extremistas costumam abordar jovens desempregados para roubar gado e ficar com a maior parte dos lucros.
Em Tombuctu, um proprietário de gado disse que estas tácticas deixam vulneráveis os jovens sem emprego.
“Qualquer jovem do Mali que viu os seus pais serem despojados dos seus rebanhos por bandidos, ou que perdeu os seus pais mortos por bandidos, jihadistas ou militares, torna-se uma presa fácil para os bandidos e jihadistas recrutarem,” disse o ganadeiro à GI-TOC.