EQUIPA DA ADF
Enquanto os generais rivais do Sudão lutam pelo controlo do país, os mercenários russos do Grupo Wagner continuam a ganhar dinheiro apesar do caos.
Enquanto outras empresas mineiras suspenderam as suas actividades no país, a Meroe Gold, filial do Grupo Wagner, continuou a explorar as suas minas de ouro. Muitas delas são geridas com o apoio do líder das Forças de Apoio Rápido (RSF), o General Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido por Hemedti, no território que ele e a sua família controlam.
Em troca dessa parceria, o Grupo Wagner é suspeito de ter fornecido a Hemedti e às RSF mísseis terra-ar e outras armas para a sua luta contra as Forças Armadas do Sudão, controladas pelo General Abdel Fattah al-Burhan.
Algumas dessas armas vieram de bases do Grupo Wagner, na República Centro-Africana (RCA), que faz fronteira com a região sudanesa de Darfur, onde Hemedti e as RSF têm a sua base de operações.
A CNN e o grupo de investigação All Eyes on Wagner documentaram recentemente os voos da base do Grupo Wagner na zona de al-Jufra, no sul da Líbia, e na sua base na Síria. Estes voos aterraram numa base das RSF no noroeste do Sudão. Esta base caiu alguns dias mais tarde nas mãos das SAF, mas outros voos do Grupo Wagner aterraram no aeroporto de Merowe, que as RSF controlam.
Durante o governo da junta liderada por al-Burhan e Hemedti, o Grupo Wagner contrabandeou cerca de 32,7 toneladas métricas de ouro no valor de quase 1,9 bilhões de dólares para fora do país, entre Fevereiro de 2022 e Fevereiro de 2023. É mais ou menos o mesmo que as 34,5 toneladas métricas — no valor de pouco mais de 2 bilhões de dólares — que o Sudão exportou de operações mineiras legítimas em 2022, de acordo com o banco central do Sudão.
Quando o Grupo Wagner chegou ao Sudão, em 2017, o país informou ter extraído 107,3 toneladas métricas. Ainda em 2020, o Sudão comunicou a extracção de 90 toneladas métricas de ouro, das quais cerca de 28% foram exportadas. Segundo estimativas do Governo, entre 50% e 80% do ouro produzido no Sudão é contrabandeado para fora do país.
Em 2021, 16 aviões carregados com ouro sudanês saíram do país para serem lavados no Médio Oriente antes de irem parar aos cofres de guerra da Rússia. O ouro também é contrabandeado para fora do Sudão, através da RCA, onde o Grupo Wagner tem grande influência sobre o governo.
Em Fevereiro de 2022, um inspector aduaneiro sudanês descobriu uma tonelada de ouro escondida num avião cujo manifesto indicava que transportava bolachas — um artigo que o Sudão não costuma exportar. Apesar do profundo envolvimento do Grupo Wagner nas minas de ouro do Sudão, as estatísticas de exportação do país indicam que a Rússia não exporta ouro do país.
Os analistas acreditam que a Rússia está ansiosa por manter um regime amigo no poder. “Um governo civil em Cartum, em particular um governo que não estivesse ligado à rede de contrabando da Rússia, iria provavelmente processar estes crimes com mais vigor,” escreveu o analista geopolítico Samuel Ramani para o Middle East Institute.
Antes do golpe de Estado de Outubro de 2021, o então Primeiro-Ministro Abdalla Hamdok criticou a extensa rede de empresas militares que financia os militares sudaneses e os seus líderes fora do tesouro público. Hamdok e os seus aliados civis no Conselho de Soberania de transição estavam prestes a publicar um relatório sobre a corrupção nas empresas ligadas aos militares quando al-Burhan e Hemedti deram o golpe de Estado. Uma das primeiras acções de al-Burhan após o golpe foi invadir os gabinetes dos investigadores e confiscar os documentos aí existentes.
Desde que entrou no Sudão, em 2017, o Grupo Wagner tem mantido relações com Hemedti e com al-Burhan. O Grupo Wagner treinou as tropas das RSF, em Darfur, para além de ter feito parceria com Hemedti e a sua família em operações de mineração de ouro.
Em Junho de 2022, a Ordem dos Advogados de Darfur informou ter testemunhos de pessoas cujos familiares foram mortos por mercenários do Grupo Wagner na região próxima da fronteira com a RCA. O Grupo Wagner expulsou os mineiros artesanais de ambos os lados da fronteira para tomar as minas existentes.
“Onde o Grupo Wagner prospera é onde há uma lacuna na provisão de segurança,” Ben Hunter, analista sobre assuntos africanos, na empresa de inteligência de risco Verisk Maplecroft, disse ao site Semafor.
Apesar do recente apoio do Grupo Wagner às RSF, segundo Ramani, o Grupo Wagner — e, por extensão, a Rússia — está menos preocupado com a vitória de Hemedti ou de al-Burhan do que com a manutenção de um governo autoritário no Sudão que proteja os seus interesses.
“O principal objectivo da Rússia não é ver um ou outro lado ganhar a guerra civil, mas sim impedir uma transição democrática no Sudão,” escreveu recentemente Ramani para o Middle East Institute. “A continuação do regime autoritário facilita os lucros das minas de ouro sudanesas e a construção de uma base naval russa no Mar Vermelho, em Port Sudan.”