O grupo Estado Islâmico está a operar em novos locais e a utilizar novas tácticas na província moçambicana de Cabo Delgado, depois de ter perdido os seus principais líderes e de ter sido expulso das suas antigas bases.O EI aumentou a utilização de engenhos explosivos improvisados, dispersando-se em campos mais pequenos em florestas densas e conduzindo operações entre províncias. O grupo terrorista também utilizou crianças-soldado em ataques recentes.
“A adopção do novo ‘modus operandi’ pelos terroristas demonstra que há uma nova liderança no seio do grupo,” o Ministro do Interior de Moçambique, Pascoal Ronda, disse numa reportagem da Agência Lusa. “A maioria dos líderes terroristas encontra-se nos distritos de Macomia e Quissanga, com destaque para Óscar, Dardai, Zubair, Mane, Sheik, Amisse e Machudee.”
Os novos líderes do EI substituíram Ibn Omar, Abu Kital, Ali Mahando e Amurane Adamo, que foram mortos em 2023 pelas Forças de Defesa e Segurança moçambicanas, da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM) e pelas forças ruandesas.
Os rebeldes ressurgentes atacaram as comunidades costeiras, bem como os residentes das Ilhas Quirimbas, ao largo da costa. Os terroristas emboscaram patrulhas militares, executaram brutalmente civis e saquearam comunidades.
Sob nova direcção, o EI lançou um furioso assalto a Macomia, de 10 a 12 de Maio. De acordo com a Human Rights Watch (HRW), o grupo utilizou rapazes com apenas 13 anos para invadir e pilhar a cidade. O recrutamento e a utilização de crianças com menos de 15 anos como soldados é um crime de guerra.
Os analistas descreveram a operação como bem coordenada, conduzida a partir de várias direcções e um dos mais ousados ataques terroristas em Moçambique desde o ataque a Palma em 2021.
Segundo testemunhas, três grupos de centenas de militantes chegaram à cidade por volta das 4 horas da manhã do dia 10 de Maio. Um grupo falou com os residentes e saqueou estabelecimentos comerciais. Um outro grupo lutou contra as forças sul-africanas e moçambicanas, enquanto o terceiro grupo bloqueou a estrada principal de Macomia, segundo a HRW.
Seguiram-se combates intensos.
“Precisamos de reforços, com urgência,” disse um soldado moçambicano numa gravação obtida pela defenceWeb. “Eles estão a vir para a nossa base. Estamos a ouvir os tiros. Eles estão aqui na base.”
Bombas à beira da estrada destruíram dois veículos blindados que transportavam forças sul-africanas destacadas de Pemba para Macomia, a cerca de 20 quilómetros de distância, mas nenhum soldado ficou ferido. O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, disse num discurso televisivo que os terroristas se retiraram após cerca de 45 minutos de combate, depois reagruparam-se e regressaram.
A meio da tarde, os terroristas estavam a pilhar a cidade, incluindo um armazém do Programa Mundial de Alimentação. Distribuíram os bens roubados pelos habitantes locais, segundo o Cabo Ligado, um projecto publicado pelo Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos, ou ACLED.
A distribuição de alimentos roubados é vista como uma forma de os terroristas ganharem a preferência do público. Roubaram também 15 veículos, incluindo alguns da agência de ajuda humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), antes de partirem.
“Estas viaturas tinham sido usadas para transportar alimentos para Mucojo,” a testemunha Muchude Salimo Abudo disse à Agência de Informação de Moçambique (AIM). “De facto, muitas coisas foram roubadas e queimadas na MSF e na Fundação Contra a Fome, bem como em instituições públicas.”
Abudo disse que os terroristas mataram mais de 10 pessoas, “a maioria das quais membros das forças de defesa e segurança.” Outras testemunhas disseram que o EI não sofreu tantas baixas.
“Vi duas pessoas feridas ao lado dos terroristas,” disse uma testemunha anónima à AIM. “Outras pessoas, aqui mesmo na cidade, viram os feridos serem carregados para uma mota em direcção a Mucojo.”
Testemunhas disseram à HRW que os insurgentes incluíam rapazes com cintos de munições e espingardas de assalto do tipo AK. Duas pessoas da mesma família disseram ter reconhecido o seu sobrinho de 13 anos entre as crianças.
“Vi-o com os meus próprios olhos, com uma grande arma e um cinto de munições e a agir como um homem grande e confiante,” Abu Rachide, tio do rapaz, disse à HRW. Quando chamou o sobrinho, disse Rachide, o rapaz acenou e continuou a sua missão.
Jamal Jorge, um comerciante de 47 anos, permaneceu no mercado durante o ataque. Disse ter visto mais de 20 crianças entre os combatentes, bem como jovens que falavam Swahili e Kimwani, uma língua da costa de Cabo Delgado.
“No mercado, só vi crianças, algumas um pouco mais velhas, talvez com 17 ou 20 anos,” disse à HRW. “Mas, para mim, a maior parte deles eram crianças com menos de 16 anos.”
Os ataques do EI estão a aumentar numa altura em que a SAMIM se retira gradualmente do país; o mandato da missão termina em Julho. Desde Janeiro, o EI reivindicou a autoria de 57 ataques em Moçambique, contra 51 em todo o ano de 2023, segundo o Instituto de Estudos de Segurança.
“A retirada da SAMIM proporciona ao EI não só espaço operacional, mas também uma grande oportunidade de propaganda,” escreveram os analistas do instituto. “A situação representa o maior nível de instabilidade em Cabo Delgado desde que as tropas ruandesas e da SAMIM foram destacadas pela primeira vez em 2021.”