EQUIPA DA ADF
Apenas 2.700 quilómetros separam o nordeste brasileiro da costa ocidental de África. Os traficantes utilizam esta proximidade para transportar cocaína, haxixe e heroína através dos portos da África Ocidental para destinos de todo o mundo.
No entanto, as drogas são apenas uma parte do problema. A África serve de destino e de ponto de trânsito de uma série de crimes, desde o contrabando de armas e o tráfico de seres humanos até à exploração madeireira ilegal e ao crime contra a vida selvagem.
A localização de África torna-a um canal ideal para o transporte de material ilícito da Ásia ou da América do Sul para a Europa e a América do Norte, de acordo com analistas do ENACT, Enhancing Africa’s Response to Transnational Organised Crime, um projecto gerido pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS), em parceria com a Interpol e a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
De acordo com os analistas, as fronteiras porosas, as costas mal defendidas e os funcionários públicos corruptos dificultam os esforços internacionais para combater o crime transnacional.
“A África está firmemente colocada na cadeia de abastecimento ilícito global,” Rumbi Matamba, analista do Observatório da África Oriental e Austral da GI-TOC, disse durante um recente painel de discussão sobre o crime transnacional no continente, patrocinado pelo ENACT.
Golpes de Estado, como os do Burquina Faso, da Guiné, do Mali e do Níger, agravam o crime transnacional em África, segundo Matthew Wilner-Reid, coordenador do projecto Fluxo Ilícito Global, da União Europeia.
“Os golpes de Estado a que temos assistido no Sahel e no Corno de África estão a criar instabilidade, que serve de base ao crime transnacional,” disse Wilner-Reid na conferência do ENACT.
O crime transnacional gera então mais instabilidade num país, criando um ciclo de retroacção que pode estar na base do terrorismo.
“Existe uma ligação clara entre o terrorismo e o crime organizado,” disse Wilner-Reid.
Em toda a África, apenas três países — Cabo Verde, Maurícias e Ruanda — provaram ser capazes de alcançar a combinação de baixa criminalidade e alta resistência ao crime organizado, disse Matamba.
O Índice Global do Crime de 2023 da GI-TOC revela que 48 países africanos não dispõem dos sistemas políticos e jurídicos necessários para combater eficazmente o crime organizado, afirmou Matamba. O Índice Global do Crime designa por “resiliência” a capacidade de um país se defender contra o crime transnacional.
Três países — Nigéria, Senegal e África do Sul — registam elevados níveis de criminalidade, mas também elevados níveis de resistência para combater essa criminalidade, observou Matamba.
De todas as actividades que os grupos criminosos transnacionais desenvolvem no continente, a mais difundida é o tráfico de seres humanos, com a Líbia e a Eritreia a ocuparem os lugares cimeiros. Seguem-se os crimes financeiros. O crime cibernético continua a ser a categoria mais pequena de crime transnacional em África, embora esteja a aumentar.
Os grupos criminosos organizados transnacionais estão profundamente envolvidos em crimes ambientais em África. Na África Central, isso significa exploração madeireira ilegal, que se estima ser um negócio de 150 bilhões de dólares por ano. Cerca de 90% das concessões legais de exploração de madeira concedidas na República Democrática do Congo (RDC) beneficiaram da exploração madeireira ilegal efectuada nas suas periferias, de acordo com Oluwole Ojewale, coordenador do observatório regional do crime organizado do projecto ENACT para a África Central no ISS.
“Os terroristas armados estão a entrar na exploração madeireira ilegal para financiar as suas operações,” disse Ojewale na conferência. Em muitos casos, os madeireiros ilegais exploram as pessoas que vivem na floresta, que vêem as árvores como uma forma natural de escapar à pobreza.
Os toros são enviados da RDC através do Uganda ou dos Camarões e da Nigéria, de onde os funcionários corruptos os enviam para a Ásia, disse Ojewale.
Os funcionários públicos corruptos, que o Índice do Crime Organizado classifica como “actores integrados no Estado,” são um elo fraco na luta de África contra o crime organizado transnacional. De acordo com o índice, a maioria dos países africanos está bem classificada em termos de corrupção pública. Os níveis mais baixos de corrupção pública foram registados no Botswana, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Botswana e Cabo Verde também ocupam uma posição de destaque entre as democracias africanas, que tendem a mostrar-se mais resistentes aos efeitos nocivos do crime transnacional, porque a força das suas instituições dificulta a actividade dos criminosos, segundo os analistas do ENACT.
“A corrupção é um factor importante no enfraquecimento da capacidade das instituições para combater o crime organizado,” disse Matamba.