EQUIPA DA ADF
Quando o Níger derrubou o seu governo civil em Julho, juntou-se a um número crescente de países da África Ocidental que o fizeram, complicando ainda mais a cooperação regional económica e de segurança numa altura em que esta é mais necessária.
Antes do recente golpe de Estado, a cooperação multinacional no domínio da segurança no Níger era rica e variada: Em 2014 e em 2018, o Níger acolheu o Exercício Flintlock, o maior evento de treino antiterrorista do continente. Em 1998, o Níger juntou-se à Força-Tarefa Conjunta Multinacional (MNJTF) para garantir a segurança na Bacia do Lago Chade. Dezassete anos depois, a MNJTF expandiu-se para uma força de 10.000 soldados do Benin, Camarões, Chade, Níger e Nigéria para fazer face à ameaça do Boko Haram que estava a assolar a região.
Em 2017, o Níger juntou-se aos vizinhos do Sahel, tais como Burquina Faso, Chade, Mali e Mauritânia, como parte da Força Conjunta do G5 Sahel, que se opôs ao extremismo originário do seu oeste, nomeadamente do Mali.
O golpe de Estado do Níger tem sérias implicações para a segurança regional, segundo o Dr. Muhammad Dan Suleiman, um investigador associado ganês da Universidade Curtin, em Perth, na Austrália. Entre elas estão o risco de projectos de desenvolvimento transfronteiriço, o enfraquecimento da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e o prejuízo da cooperação no Sahel, escreveu num artigo para o The Conversation.
“Nenhum destes resultados seria bom,” escreveu Suleiman. “Agravariam as crises humanitárias existentes, incluindo a insegurança alimentar, as catástrofes ambientais, a criminalidade transnacional, as deslocações de populações e a pobreza generalizada.”
Entre os projectos mais importantes ameaçados pelo golpe do Níger está o projecto de gasoduto de 13 bilhões de dólares que ligaria os campos de gás da Nigéria à Argélia e mais além. O gasoduto de 4.100 quilómetros acabaria por se ligar à Europa através da Espanha ou Itália, segundo o site bne IntelliNews.
Numa reunião realizada em Abuja, na Nigéria, em Junho de 2022, os ministros da Energia da Argélia, do Níger e da Nigéria concordaram em acelerar os trabalhos relativos ao Gasoduto Trans-Sahariano, que foi concebido em 2002, com um memorando de entendimento entre a Argélia e a Nigéria. As restrições ao gás natural impostas pela Rússia à Europa deram um sentido de urgência ao projecto.
“Muitos países europeus estão a pedir-nos um fornecimento alternativo de gás em África,” Timipre Sylva, na altura Ministro dos Recursos Petrolíferos da Nigéria, disse à bne IntelliNews, após a reunião. “E isto porque, como é óbvio, actualmente o gás é uma arma de guerra entre a Ucrânia e a Rússia e, por isso, mais do que nunca, o nosso gás é necessário.”
Em Fevereiro de 2023, o troço do Níger, da Autoestrada Trans-Sahara, uma rota de 9.400 quilómetros que liga a África Ocidental ao Norte de África, estava a cerca de um ano de ser concluído, de acordo com o Grupo do Banco Africano de Desenvolvimento. O país tinha concluído 1.890 quilómetros dos 1.950 quilómetros no Níger, de acordo com o site do Grupo do Banco.
O Fundo Africano de Desenvolvimento do banco contribui com cerca de 120 milhões de dólares dos mais de 175 milhões de dólares de custo do projecto no Níger. O futuro da estrada e do comércio que por ela circula é incerto desde que a Nigéria fechou a fronteira com o Níger. O encerramento da rota ameaça o comércio de 1,3 bilhões de dólares, de acordo com uma reportagem do jornal BusinessDay, da Nigéria.
O golpe de Estado também prejudica as relações de coesão entre os membros da CEDEAO, afirmou Suleiman. A comunidade económica regional exigiu a libertação do presidente nigerino deposto, Mohamed Bazoum, e ameaçou mesmo com uma acção militar para restaurar a democracia. Mas nem todos os Estados-membros concordam com esta abordagem.
“O apoio imediato oferecido aos líderes golpistas do Níger pelos seus homólogos do Burquina Faso e do Mali aponta para sérias fissuras no seio do bloco,” escreveu Suleiman.
Por último, o golpe de Estado afecta a segurança do Níger e da região. Nos anos que antecederam o golpe, o Níger considerou a cooperação regional e internacional essencial para a sua segurança. A sua posição precária, que o coloca perante extremistas violentos originários do Mali, a oeste, e do norte da Nigéria e da Bacia do Lago Chade, a sudeste, pode aumentar as perspectivas de violência extremista sem alianças de longa data.
O Níger é o terceiro membro da Força Conjunta do G5 Sahel a sucumbir a um golpe de Estado desde 2020. As perturbações internas e o seu isolamento pela Nigéria e pela comunidade mais alargada da CEDEAO são susceptíveis de impedir qualquer contribuição que possa dar à MNJTF.
A segurança interna já está a dar sinais de vacilação no rescaldo do golpe. As Nações Unidas informaram, a 29 de Agosto, que mais 20.000 pessoas foram deslocadas pela violência desde o derrube. Nos cinco dias que se seguiram ao golpe de Estado — de 26 a 31 de Julho — o gabinete das Nações Unidas para os refugiados registou um aumento de 50% em incidentes como raptos, violência baseada no género e violência doméstica.
A nível global, o Níger registou o maior aumento de mortes por terrorismo em 2021, com um aumento de 129% em relação ao ano anterior, de acordo com o Índice Global de Terrorismo. No entanto, as mortes diminuíram 79% um ano depois, de acordo com o índice. Os investigadores Méryl Demuynck e Mathis Böhm, escrevendo para o International Centre for Counter-Terrorism [Centro Internacional de Combate ao Terrorismo], afirmam que alguns atribuem esses ganhos ao aumento das operações antiterroristas.
Um Níger desestabilizado “colocaria certamente sérios riscos para a região em geral, uma vez que esta turbulência política poderia afectar os esforços de luta contra o terrorismo, beneficiar as organizações terroristas e, eventualmente, afectar o panorama de segurança do Sahel em geral,” escreveram Demuynck e Böhm.