EQUIPA DA ADF
Em pouco mais de dois anos, o Níger exemplificou o poder das forças de segurança presidenciais — e o que pode acontecer quando esse poder não é controlado.
Em Março de 2021, a guarda presidencial do Níger reprimiu uma tentativa de golpe de Estado por parte de elementos das forças armadas, dois dias antes da tomada de posse do presidente eleito, Mohamed Bazoum.
Em Julho de 2023, a guarda presidencial liderou um golpe que depôs Bazoum.
O motim no seio do círculo mais próximo do presidente foi liderado pelo mesmo homem que protegeu a residência presidencial em 2021 — o General Abdourahamane Tchiani, chefe da guarda presidencial desde 2011.
No dia 26 de Julho de 2023, Tchiani deteve Bazoum na sua residência, situada no interior da base militar da guarda presidencial, na capital, Niamey. Horas depois, Tchiani declarou-se chefe de um governo de transição sem mencionar o regresso ao controlo civil.
Bazoum estava a diminuir o poder da sua guarda presidencial, reduzindo o seu número de 2.000 para cerca de 700 durante o seu mandato. Segundo vários relatos, o presidente planeou forçar Tchiani a reformar-se poucos dias depois do golpe.
“Quando se tenta mudar isso, vai haver actores dentro das forças armadas que consideram que os seus interesses estão a ser afectados negativamente,” disse o investigador Daniel Eizenga à Vox Media.
Eizenga, investigador do Centro de Estudos Estratégicos de África, disse que a guarda presidencial tinha influência e autonomia suficientes em relação às forças armadas regulares para criar um sentimento de impunidade.
“As justificações para o golpe de Estado não têm qualquer fundamento no Níger,” disse, acrescentando que a revolta parece dever-se “às motivações egoístas deste indivíduo.”
O mentor e antecessor de Bazoum como presidente, Mahamadou Issoufou, contribuiu para a formação da guarda presidencial.
Durante os seus dois mandatos, de 2011 a 2021, Issoufou deu instruções a Tchiani para “transformar a guarda presidencial numa máquina poderosa equipada com armas sofisticadas,” disse um funcionário do governo à Agence France-Presse.
Issoufou acreditava que uma guarda de elite o protegeria contra tentativas de golpe de Estado, num país que já teve quatro desde a sua independência, em 1960.
Abdourahmane Idrissa, um investigador nigeriano do Centro de Estudos Africanos de Leiden, nos Países Baixos, disse que Tchiani e a “guarda presidencial [foram] impostos a Mohamed Bazoum contra a sua vontade.”
“Estas forças de segurança eram as únicas que estavam em contacto directo com ele, por isso, foi muito fácil para elas assumirem o controlo,” disse Idrissa à France 24.
Nos últimos meses, enquanto Bazoum reduzia a dimensão da guarda presidencial e começava a controlar o seu orçamento, a relação entre ele e Tchiani ter-se-á deteriorado.
Ansioso por traçar o seu próprio rumo, Bazoum demitiu o General Salifou Mody, do cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército do Níger, em Abril de 2023. Os analistas dizem que a decisão criou um sentimento de ambivalência e desconfiança entre muitos oficiais militares.
Um conselheiro de Bazoum disse ao The New York Times que Mody desempenhou um papel fundamental na mobilização dos militares para apoiar o golpe.
Tchiani nomeou Mody como vice-presidente da junta a 2 de Agosto.
Alex Thurston, que estuda política africana na Universidade de Cincinnati, especulou que Bazoum estava a tentar substituir gradualmente o escalão superior das forças armadas.
“Assim, Tchiani não foi o único que viu o seu emprego ameaçado,” escreveu Thurston numa publicação de 3 de Agosto no seu blogue sobre o Sahel.
“Ele [Tchiani] pode estar a explorar uma tensão de queixa contra os líderes civis — ou contra a situação da última década ou mais em geral — que torna os soldados dispostos a tentar uma experiência radical no governo militar.”
O Major-General Prince C. Johnson III, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Libéria desde 2018, tem um profundo conhecimento do autoritarismo e dos golpes militares na África Ocidental. O seu pai combateu na primeira guerra civil da Libéria e também liderou as forças armadas liberianas.
Um dia depois do último golpe de Estado no Níger, Johnson instou os líderes governamentais da região a limitarem o poder dos “guardas presidenciais ou das forças de elite que têm controlo directo sobre o comandante-em-chefe.”
“Se olharmos para o que está a acontecer no Níger, são os guardas presidenciais,” disse ele aos jornalistas à margem de uma reunião do comité de 27 de Julho, da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
“Vejam a nossa história na Libéria. Temos assistido ao problema da utilização indevida destes guardas.”
Johnson disse que os Estados-membros da CEDEAO devem ter em atenção o controlo que deram às suas forças armadas.
“Quando há esta interferência política no comando e controlo das forças armadas, como a existência de uma guarda presidencial, o comandante-em-chefe escolhe alguém para a chefiar em vez de permitir que o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas passe por esse processo… então, torna-se um problema.”