EQUIPA DA ADF
Semanas após a morte de Yevgeny Prigozhin, o futuro das operações mercenárias conduzidas pelo famoso Grupo Wagner da Rússia continua incerto.
A morte de Prigozhin “representa um ponto de inflexão nas relações entre Rússia e África,” segundo Joseph Siegle, director de pesquisas no Centro de Estudos Estratégicos de África.
Poderá o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, manter o Grupo Wagner em África sem Prigozhin e a rede que este construiu? Será que o exército pretende comandar o grupo ou será que o Grupo Wagner será simplesmente absorvido por outra empresa mercenária russa já existente, liderada por um oligarca diferente?
Os líderes da República Centro-Africana (RCA), da Líbia, do Mali e do Sudão continuam à espera de respostas.
“Ninguém os vai assumir, porque, para isso, é preciso Zhenya [Prigozhin],” disse um conhecido de longa data ao jornal Financial Times. “Ele era o único suficientemente louco para o fazer funcionar.”
Após o motim abortado do Grupo Wagner contra o exército russo, em Junho, Prigozhin pensou que tinha “mais ou menos resolvido as coisas com Putin” e voltou a sua atenção para África, disse a fonte.
“Estavam a começar de novo e, se [Prigozhin] sobrevivesse, teria arranjado uma forma de chegar a Putin e dizer: ‘Veja o que fiz em África.’”
Os voos de Prigozhin pela África, pouco antes da sua morte, podem ter sido um sinal de que ele estava a tentar proteger as suas operações do Grupo Wagner de serem tomadas pelo serviço de informações militares estrangeiras da Rússia, o GRU.
Em finais de Agosto, uma delegação russa que incluía o General do GRU, Andrei V. Averyanov, e o Vice-Ministro da Defesa da Rússia, Yunus-Bek Yevkurov, visitou Khalifa Haftar, o líder do Exército Nacional Líbio, que controla o leste do país e alberga uma base do Grupo Wagner.
A missão de Averyanov e Yevkurov era garantir a Haftar o apoio contínuo da Rússia. Também visitaram as juntas militares do Burquina Faso e do Mali com a mesma mensagem.
Averyanov é um dos principais espiões russos, “conhecido por ter liderado uma unidade de elite especializada em subversão, sabotagem e assassinatos no estrangeiro,” noticiou o New York Times. Há rumores de que este é a escolha de Putin para substituir Prigozhin, uma vez que a Rússia tem agido rapidamente para afirmar o controlo sobre o Grupo Wagner.
No dia seguinte à morte de Prigozhin, Putin ordenou a todos os mercenários do Grupo Wagner que assinassem um juramento de lealdade à Rússia, prometendo que não desobedeceriam às ordens. Alguns foram obrigados a assinar contratos com o exército russo.
Siegle questiona se as forças armadas russas têm capacidade de gerir o Grupo Wagner, tendo em conta o seu fraco desempenho na Ucrânia.
“A Rússia precisa de soldados na Ucrânia,” escreveu. “Assim, a Rússia pode não ter combatentes experientes para dispensar em África. É também uma questão em aberto se as tropas do Grupo Wagner aceitarão assinar contratos com o Ministério da Defesa da Rússia, dada a forma como o seu líder foi dispensado.”
Desde 2017, o Grupo Wagner tem fornecido aos autocratas africanos segurança pessoal, treino militar, operações de combate ao terrorismo, campanhas de desinformação e interferência eleitoral — tudo isto enquanto dá ao Kremlin a cobertura de uma negação plausível.
“Prigozhin referia-se a este conjunto de operações de influência interligadas como ‘A Orquestra,’ que ele dirigia,” escreveu Siegle. “Nenhum destes objectivos visa tornar a África mais próspera ou estável. Pelo contrário, África é sobretudo um teatro para fazer avançar os interesses geoestratégicos da Rússia.”
O desejo da Rússia de minar a democracia e a lei e a ordem é a razão pela qual o Grupo Wagner tem sido associado a todos os recentes golpes de Estado no continente.
No Mali, Prigozhin pressionou os líderes da junta militar a expulsarem a missão de manutenção da paz das Nações Unidas. No seu lugar, cerca de 1.000 combatentes do Grupo Wagner continuam incapazes de assegurar vastos territórios no norte e centro do Mali que foram invadidos por grupos militantes extremistas.
“O Grupo Wagner era a opção de último recurso para estes países,” Cameron Hudson, investigador principal do programa para África, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse ao Financial Times. “Agora estão na cama com a Rússia, quer se trate de Putin ou de Prigozhin. Eles não podem trocar.”
Onde quer que o Grupo Wagner actue, os civis pagam um preço muito elevado sob a forma de violações de direitos humanos. Perdem também as receitas que o Grupo Wagner gera com a exploração, isenta de impostos, de recursos naturais como ouro, diamante e madeira.
Enrica Picco, directora do projecto para a África Central, no grupo de reflexão Crisis Group, afirmou que, com a saída de Prigozhin, surgirão novos líderes.
“Vamos assistir a mudanças na cadeia de comando entre os principais oficiais e os rostos mais visíveis das operações do Grupo Wagner no continente,” disse ao Financial Times. “Isso levará tempo e fará parte de uma mais ampla apropriação do Ministério da Defesa da Rússia. O Kremlin pode também avançar para os negócios e a propriedade de empresas relacionadas com Prigozhin na RCA.”
Com tantos aspectos do Grupo Wagner em mudança, Siegle acredita que a Rússia está a caminho de um acerto de contas no continente.
“Há um despertar crescente no continente para o pouco que a Rússia traz realmente para África em termos de investimento, comércio, criação de emprego ou segurança,” escreveu. “A utilização de mercenários, a desinformação polarizadora, a interferência política e os negócios opacos de armas em troca de recursos significam que a Rússia é, na verdade, um amplificador da instabilidade no continente.”