EQUIPA DA ADF
Uma coluna composta por tropas das Forças Armadas do Mali (FAMa) e mercenários russos viajou em veículos militares, veículos blindados, camiões e carrinhas enquanto se dirigia para a cidade nortenha de Tinzawaten no final de Setembro.
A sua missão era recuperar os corpos de alguns dos 47 soldados das FAMa e 84 mercenários russos do Grupo Wagner mortos em Julho durante uma feroz batalha de três dias com combatentes do grupo terrorista Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), ligado à al-Qaeda, e rebeldes Tuaregues do recém-formado Quadro Estratégico para a Defesa do Povo de Azawad (CSP-DPA), segundo o The Africa Report.
Travada perto da fronteira setentrional com a Argélia, a batalha representou a maior derrota da Rússia no Mali desde o seu destacamento em Dezembro de 2021 e a pior derrota para as FAMa desde que as hostilidades recomeçaram em Agosto de 2023.
“Antes desta emboscada, o CSP-DPA e a JNIM não tinham sido capazes de contrariar eficazmente o Grupo Wagner e as FAMa à medida que avançavam para o extremo norte de [Tinzawaten], onde muitas pessoas tinham fugido das operações militares,” de acordo com a análise de Agosto, do projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED). “O êxito da emboscada poderá reforçar a confiança e a determinação do CSP-DPA e da JNIM, mas poderá também provocar uma resposta de retaliação por parte das forças do Grupo Wagner.”
No início de Novembro, isso ainda não tinha acontecido. O porta-voz do Exército do Mali, Coronel Major Souleymane Dembele, disse à Reuters que a derrota não teve qualquer efeito no seu objectivo de “restaurar a autoridade do Estado em todo o país.”
Embora o Exército do Mali tenha afirmado que o principal objectivo da operação de Setembro era recuperar corpos, alguns observadores acreditam que se tratava também de uma tentativa de apagar a vergonha da derrota de Julho.
O CSP-DPA ridicularizou o esforço de recuperação de corpos como uma “retirada forçada,” visto que os soldados e os mercenários não se envolveram em combate durante a operação de nove dias, numa altura em que ambos os lados se preparavam para mais combates.
“Fontes militares admitem que a reconquista de Tinzawaten e a segurança da fronteira argelina eram objectivos importantes, mas que não havia condições para os atingir,” Manon Laplace e Aly Asmane Ascofaré escreveram no The Africa Report.
A junta militar do Mali prometeu repetidamente restaurar a segurança no país, depois de ter utilizado a ameaça terrorista como justificação para os golpes de Estado de 2020 e 2021, mas a violência tem-se agravado.
No ano passado, o Mali registou um aumento de 38% na violência contra civis, de acordo com o ACLED. Os confrontos mortais entre as forças de segurança, os grupos terroristas e os rebeldes Tuaregues continuaram este ano e alastraram-se para novas áreas, o que sugere que os combatentes das FAMa e da Rússia poderão não dispor de recursos nem de uma estratégia adequada.
A operação de recuperação dos corpos foi efectuada duas semanas depois de a JNIM ter atacado uma base de treino militar e um aeroporto em Bamako, a capital nacional, onde os ataques terroristas são pouco frequentes. A BBC noticiou que pelo menos 60 e talvez até 100 pessoas foram mortas em Bamako, com outros 200 ou mais feridos. Um vídeo filmado pelos terroristas mostra um jihadista a colocar um pano em chamas no motor do avião presidencial, bem como terroristas a explorar um terminal do aeroporto e a disparar tiros quando se aproximvam de aviões pertencentes às Nações Unidas.
Os drones e aviões de guerra malianos estão no aeroporto, que é uma base para os mercenários russos.
“O Grupo Wagner cometeu tantas atrocidades contra civis que a JNIM está a concentrar-se neles num esforço para conquistar corações e mentes,” Wassim Nasr, especialista sobre Sahel e investigador sénior do Centro Soufan, disse ao The Washington Post. “E por que não o fariam? É fácil. Vai ajudá-los a recrutar, e já está a ajudá-los a recrutar.”
O ataque ocorreu no 64º aniversário da fundação da gendarmaria do Mali e ocorreu dias depois de o líder da junta, Assimi Goita, ter afirmado que o exército tinha “enfraquecido consideravelmente os grupos terroristas armados,” segundo a Reuters. As Nações Unidas descreveram o incidente como uma “forte demonstração de força” por parte da JNIM e que “o ataque e o alvo específico foram provavelmente planeados com antecedência.”
“Na minha opinião pessoal, isso está a afectar seriamente a credibilidade [da junta] na frente da segurança,” um diplomata de Bamako disse à Reuters. “Veremos como a população reage a estes acontecimentos. Ou apoiam o regime contra os jihadistas ou começam a perguntar-se se têm a protecção que merecem.”
Jean Herve Jezequel, Director do Projecto Sahel do International Crisis Group, afirmou que o ataque foi mais ambicioso do que os anteriores ataques da JNIM.
“Parece que os jihadistas demonstraram capacidade para manter o aeroporto por algum tempo, possivelmente várias horas, o que é um grande golpe,” Jezequel disse à Reuters. “Mesmo que não arruíne todos os esforços de reposicionamento do Exército do Mali nos últimos anos, é um golpe sério que sublinha a necessidade absoluta de ajustes sérios na estratégia de contra-insurgência do Mali.”