EQUIPA DA ADF
Mamadou Dien falava irritado enquanto arrastava a sua canoa, pintada com cores vivas, para a praia, numa pequena aldeia do Senegal. Depois de quatro horas infrutíferas no mar, ele segurou o seu mísero pescado apenas com os polegares e os dedos indicadores.
“Hoje, a pesca não foi boa,” disse à Voz da América (VOA). “Quando a pesca é boa, conseguimos fazer até 70.000 francos (cerca de 130 dólares) por dia.”
Próximo dali, o deprimido Abdullah Dieta disse que pescou quatro garoupas em três horas de tempo.
“Os nossos avós contam-nos que conseguiam ver peixe em abundância a partir daqui, da praia,” Dieta disse à VOA. “Hoje, quando contamos que temos de navegar por muitas milhas para encontrar peixe, não acreditam.”
A sardinha e outros peixes pequenos pelágicos capturados no Senegal são responsáveis por 75% da proteína consumida internamente e nos países do interior como Burkina Faso e Mali, noticiou a BBC.
Mas até 90% dos locais de pesca do Senegal estão totalmente explorados ou próximos de um colapso, de acordo com as Nações Unidas. O peixe do Senegal é, na sua maioria, capturado por arrastões chineses enormes e exportado para a Ásia e a Europa, muitas vezes, em forma de farinha de peixe ou óleo de peixe, produzido nas fábricas de proprietários chineses.
A China é líder a nível mundial, possuindo a maior frota de pesca em águas longínquas, com cerca de 17.000 embarcações, de acordo com um estudo feito pelo Instituto de Desenvolvimento do Exterior. Os seus arrastões têm a fama de praticarem a pesca ilegal em águas protegidas e de utilizarem uma variedade de tácticas ilícitas para capturarem muito mais peixes do que o permitido.
A Iniciativa Global Contra o Crime Transnacional classifica o país como sendo o pior infractor das normas da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) do mundo.
A frota de pesca em águas longínquas da China começou a lançar redes pelo mundo depois de o país ter praticado a pesca excessiva nas suas próprias águas, uma situação que não eliminou a sua fome de mariscos. O país de 1,4 bilhões de habitantes consome 38% da produção de peixe do mundo e possui uma das taxas mais elevadas de consumo de peixe e mariscos, situando-se em 37,8 quilogramas por pessoa por ano, de acordo com um comunicado da Foreign Policy.
A situação do Senegal é comum em toda a África Ocidental, onde aproximadamente 7 milhões de pessoas dependem da pesca para obterem um rendimento e até 50 milhões de pessoas se encontram em risco de insegurança alimentar e má nutrição.
Por muitos anos, os pescadores artesanais da Mauritânia têm vindo a reclamar que os arrastões estrangeiros estão a reduzir gravemente as unidades populacionais de peixe na sua zona. Em 2017, um conservacionista chinês entrevistou o capitão de um arrastão chinês ao largo da costa de Nouadhibou e mais tarde escreveu sobre a sua experiência para a Greenpeace.
“Às vezes, capturamos muito” peixe, disse o capitão, que se apresentou como Zheng. “O[s] frigorífico[s] está[ão] cheio[s] de peixe e não há espaço para mais, por isso, temos de deitar fora toneladas de peixe já capturado.”
A maior parte da captura deitada fora estava morta.
“Por onde a gente passa, não haverá mais peixe a sobrar no oceano,” disse Zheng.
Em 2020, a China garantiu que continuará a pescar na Mauritânia quando concedeu um financiamento de 87 milhões de dólares para a construção de um novo porto de pesca, bem a norte de Nouadhibou.
Ao longo da costa da Serra Leoa, comunidades inteiras dependem do mar, mas estão a registar esgotamento de unidades populacionais de peixe. Os pescadores artesanais locais, como Abu Bakr Aconteh, culpam os arrastões estrangeiros, três quartos dos quais chineses, comunicou a BBC.
“Gostaríamos que o governo tirasse estas pessoas para longe daqui, para pararem de pescar neste país,” disse Aconteh.
No Gana, a pesca ilícita ameaça destruir as unidades populacionais de peixe pelágico pequeno, como a sardinha, que reduziu em 80% nas passadas duas décadas, informou a Fundação para a Justiça Ambiental.
A sobrepesca desenfreada da China, na África Ocidental, não pode continuar sem consequências devastadoras,
Percy Showers, um biólogo marinho da Universidade de Freetown, na Serra Leoa, disse à BBC.
“Uma vez que [um] ecossistema é destruído, é quase que impossível restaurá-lo de novo,” disse Showers.