EQUIPA DA ADF
Para obter um entendimento do impacto da COVID-19 sobre a Zâmbia, o epidemiologista Dr. Lawrence Mwananyanda foi para a morgue da capital, Lusaca.
Naquele lugar, ele testou mais de 1.100 corpos no decurso de três vagas de COVID-19, em 2020 e em 2021. Ele concluiu que 87% dos corpos continham o vírus. Para cada morte por COVID-19 registada por um hospital, aproximadamente quatro pessoas morreram nas suas comunidades, longe de instalações, que podiam fornecer oxigénio e cuidados intensivos, concluiu Mwananyanda.
Estes números produziam uma imagem muito diferente dos registos oficiais da COVID-19 da Zâmbia, que registavam 317.000 casos e apenas 4.000 mortes, num país de 18 milhões de habitantes, desde que a pandemia começou.
O estudo de Mwananyanda, publicado este ano na revista British Medical Journal, colocou em causa a noção de que África foi poupada pela doença generalizada e as mortes que a pandemia causou noutros lugares do mundo.
“No início, a percepção de que a COVID estava a fracassar em África estava errada,” Mwananyanda, um consultor especial do Presidente da Zâmbia, disse à ADF.
Com pouco menos de 15% da população do mundo, África representa menos de 5% do número de casos de COVID-19 a nível global. Desde que a pandemia da COVID-19 chegou ao continente, em Março de 2020, a maior parte dos países registaram significativamente poucos casos e drasticamente baixo número de mortes do que outras partes do mundo.
Esta experiência contraria a especulação inicial que indicava que a pandemia iria devastar o continente que apenas possui três médicos por cada 100.000 habitantes e cerca de um terço do número de epidemiologistas necessários para uma população de 1,3 bilhões. Complicando ainda mais as coisas, os especialistas em matéria de saúde pública esperavam que a malária, a tuberculose, o HIV e malnutrição causassem uma catástrofe da pandemia.
A lacuna entre o resultado esperado e a experiência dos países africanos com a COVID-19 deixou os cientistas e os outros perplexos: Seria a população relativamente jovem do continente? Seria o facto de muitos africanos viverem na sua maioria em ambientes rurais? Seria pela experiência dos países africanos com a gestão de epidemias anteriores?
Enquanto África entra no terceiro ano da pandemia, as respostas parecem não ser “nenhuma das opções acima.”
A pandemia propagou-se de forma tão rápida em África como em outros lugares, disse Mwananyanda. Os países africanos simplesmente tinham falta de ferramentas para rastreá-la ainda no início.
“Quando tivemos os recursos para procurar pela doença, encontramos ela,” disse.
Vários factores impediram uma imagem exacta do impacto da COVID-19 em África: uma falta de testagem (e, por conseguinte, falta de registo de casos), manutenção inadequada de registos vitais nacionais e provinciais e um grande número de mortes que ocorreram longe dos hospitais.
África do Sul, que possui o sistema de vigilância de saúde pública mais forte do continente, registou o maior número de casas de COVID-19 e de mortes do continente desde que a pandemia começou. Mesmo naquele ponto, os estudos sugerem que o real número de mortes pode ser até três vezes superior em comparação com os registos oficiais.
“Penso que o estudo da África do Sul é mais próximo daquilo que está a acontecer no continente,” disse Mwananyanda.
Sob um ponto de vista positivo, um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere que cerca de 65% da população do continente tenha estado exposta a alguma forma do vírus da COVID-19, fornecendo imunidade generalizada. Isso encorajou os países do continente a aliviarem as restrições no distanciamento social e no uso da máscara em locais públicos.
Contudo, os especialistas da OMS e do Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (África CDC) continuam a recomendar precauções para evitar a propagação do vírus. Eles também dizem que o continente deve aumentar a sua testagem e o sequenciamento para estar adiantado em relação a potenciais variantes mortais que os especialistas acreditam que são inevitáveis.
O Africa CDC já registou mais de 103 milhões de testes feitos no continente até à data. Aproximadamente um quarto destes testes foram feitos na África do Sul, que testou cerca de 40% dos seus 60 milhões de habitantes. Em comparação, a Libéria registou menos de 140.000 testes, ou menos de 3% dos seus 5 milhões de residentes, de acordo com o Africa CDC.
Os países africanos registam algumas das menores taxas de testagem da COVID-19 do mundo, mesmo numa altura em que a OMS e o Africa CDC trabalham para que os autotestes rápidos estejam amplamente disponíveis. O objectivo é de encorajar as pessoas para que conheçam o seu estado e façam algo para protegerem as suas comunidades caso fiquem infectadas.
Sem testagem e sequenciamento contínuos e consistentes, é impossível compreender como a COVID-19 está a progredir em África e em outros lugares, de acordo com a técnica-chefe da OMS para COVID-19, Maria van Kerkhove.
“A pandemia ainda não terminou,” disse van Kerkhove durante uma recente conferência de imprensa. “Estamos preocupados com a redução global na testagem e a redução no sequenciamento. Isso está a comprometedor a nossa capacidade de rastrear o vírus.”