EQUIPA DA ADF
Abel, de catorze anos, e alguns amigos estavam a brincar na remota cidade de Adi Hageray, na região de Tigré, no norte da Etiópia, quando um deles encontrou um brinquedo novo.
“Estávamos a atirá-lo uns aos outros,” disse ao Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV). “Caiu e explodiu.”
Abel e alguns outros ficaram feridos pelo engenho, um resquício da guerra civil em Tigré que terminou há mais de um ano, mas que continua viva na vida quotidiana dos civis que correm o risco de serem atingidos por engenhos explosivos (UXO).
Os combates no norte da Etiópia começaram em Novembro de 2020 na região de Tigré e alastraram-se para Afar e para a região de Amhara no ano seguinte. Mas os UXO matam e mutilam muitas crianças muito depois do fim do combate.
Vasanth Kanags, especialista em contaminação de armas do CICV na região, disse que, embora os adultos também tenham sido mortos e feridos, há mais vítimas jovens, porque muitas vezes não estão conscientes dos perigos e manuseiam os objectos de aspecto estranho.
“É uma tragédia absoluta alguém ser morto ou perder um membro devido à detonação de engenhos explosivos, ainda mais depois do fim de um conflito,” disse no site da organização de ajuda humanitária.
“É urgente informar as comunidades sobre este perigo, especialmente as crianças que naturalmente querem brincar com objectos novos e de aspecto interessante.”
O CICV e a Sociedade da Cruz Vermelha Etíope (ERCS) estão a fazer exactamente isso, com esforços acrescidos para educar as pessoas sobre os UXO, particularmente em áreas remotas, promovendo comportamentos mais seguros e envolvendo as autoridades na marcação e limpeza de áreas contaminadas.
O CICV afirma ter formado quase 50 voluntários para promover a sensibilização para os riscos e comportamentos mais seguros em 23 distritos de Tigré. O CICV e a ERCS planeiam expandir o seu trabalho em zonas contaminadas e de difícil acesso em Amhara e Afar em 2024.
Como parte do acordo de paz assinado em Novembro de 2022, a Missão de Monitorização, Verificação e Cumprimento da União Africana (AU-MVCM) está a supervisionar o desarmamento. Em Maio de 2023, afirmou que a próxima fase inclui uma maior concentração na eliminação de UXO.
“Ainda há vestígios de guerra em Shire, Axum, Alamata e noutras zonas. Estamos a trabalhar para os limpar,” o Major-General Stephen Radina, do Quenia, que lidera a AU-MVCM em Tigré, disse numa conferência de imprensa, no dia 19 de Maio.
Em Setembro de 2023, o Serviço de Acção contra as Minas das Nações Unidas (UNMAS) declarou que precisava de 6 milhões de dólares para aumentar a sua intervenção humanitária de acção contra as minas no norte da Etiópia e fornecer a assistência técnica necessária e a intervenção de desenvolvimento das capacidades do Gabinete de Acção contra as Minas da Etiópia.
Os grupos de ajuda estão também a ajudar as vítimas dos resíduos de guerra explosivos.
Beyenesh Mesfin sobreviveu a uma explosão em frente à sua casa em Tabya Fithi, em Seyemti Adyabo Woreda, Tigré, no dia 21 de Agosto. “O meu marido foi morto por um objecto que o meu filho trouxe para casa,” disse ao CICV. “Ele estava a tentar arrancar o objecto ao rapaz quando esta explodiu, matando-o e ferindo os nossos três filhos.
O filho de 7 anos de Beyenesh disse que o encontrou numa sepultura, pensou que era um brinquedo e brincou com ele com amigos e irmãos.
“Beyenesh estava a sangrar profusamente quando chegou aqui,” o Dr. Dereje Amare disse ao CICV. “Fizemos uma transfusão de dois litros de sangue, porque tinha perdido muito sangue. Retirámos-lhe um objecto estranho da anca que media 6 centímetros de comprimento e 2 de largura.”
Agricultores também foram mortos, feridos e incapacitados de trabalhar devido aos UXO.
Antes da guerra, Gebremedhin Gebrehiwot costumava plantar trigo, cevada e outros cereais nos seus campos agrícolas. Apesar do regresso da paz à região, não pode cultivar, porque continuam a existir engenhos explosivos na zona.
“Não posso retomar a actividade agrícola se os explosivos não forem retirados das minhas terras por profissionais,” disse ao jornal etíope, Addis Standard. “Isso fez com que eu e a minha família sofrêssemos de problemas socioeconómicos. Agora estou a trabalhar como diarista para garantir a sobrevivência dos meus quatro filhos, porque não tenho outra opção.
“E é psicologicamente traumatizante. Tenho medo que um dia possa explodir e matar os meus filhos.”