A autoridades de pescas há muito sabem que os arrastões envolvidos na pesca ilegal desligam os seus sistemas de identificação automática (AIS) para camuflar as suas actividades.
Investigadores que utilizavam dados da Global Fishing Watch especificaram, pela primeira vez, que a África Ocidental se encontra entre os focos mundiais da prática de desligar os AIS. A região é essencialmente alvo de frotas de pesca em águas longínquas da China, a maior do mundo.
O estudo, que rastreou desligamentos de AIS entre 2017 e 2019, demonstrou que até 6% da pesca a nível global é escondida devido à esta prática. A África Ocidental representou o terceiro maior número de horas em que os AIS ficaram desligados, durante o estudo, seguida apenas pelo noroeste do Pacífico e da costa da Argentina. A prática é vulgarmente conhecida como “ficar desligado.”
“Esta é a primeira vez que o acto de desligar intencionalmente o AIS foi quantificado e mapeado numa escala global,” a autora do relatório, Heather Welch, ecologista espacial da Universidade de Califórnia Santa Cruz, disse ao jornal The Guardian. “Antes deste trabalho, não tínhamos uma compreensão da dimensão do problema do desligamento, onde ocorre, quem o faz e por que o faz.”
A pesca ilegal lesa o continente em cerca de 11,49 bilhões de dólares anualmente e as unidades populacionais de peixe de África encontram-se agora num declínio acentuado, levando à insegurança alimentar. A pesca ilegal está ligada a outros crimes marítimos, como a pirataria, o tráfico de órgãos humanos e contrabando de drogas e ameaça os meios de subsistência de aproximadamente 5,2 milhões de pessoas que trabalham nos locais de pesca de pequena escala do continente.
A África Ocidental, o epicentro do mundo da pesca ilegal, atrai 40% dos arrastões ilegais do mundo, de acordo com um relatório de 2022, feito pela Financial Transparency Coalition.
Os receptores de AIS têm sido utilizados desde 2008 e destinam-se a apoiar a navegação segura e evitar a colisão, transferindo automaticamente informação sobre uma embarcação para outros navios. Eles cada vez mais têm sido utilizados para a execução da legislação em matéria de pesca.
Apesar das consequências da pesca ilegal, muitos países da África Ocidental não exigem que as marcações de pesca utilizem os AIS, Peter Hammarstedt, director de campanhas da Sea Shepherd Global, que ajuda vários países da África Ocidental a combaterem a pesca ilegal, disse à ADF num e-mail. Menos de 20% dos arrastões chineses da região utilizam os sistemas AIS, acrescentou Hammarstedt.
A maior parte dos desligamentos de AIS destacados no relatório ocorreu próximo da zona económica exclusiva do respectivo país e próximo das zonas marinhas protegidas.
“Enquanto a África Ocidental sofre perdas económicas anuais de até 2,3 bilhões de dólares por causa da pesca ilegal, incluindo incursões autorizadas de frotas industriais nas águas nacionais, o desligamento de AIS que reduz as capacidades de monitoria nesta região é particularmente alarmante,” afirma o relatório.
Embora desligar um sinal de AIS não seja um crime em todas as regiões, a Global Fishing Watch e outros especialistas de segurança marítima afirmam que, muitas vezes, é uma boa indicação de que a embarcação esteja a esconder as suas actividades, incluindo a “saiko,” o transbordo ilegal de peixe no mar.
A saiko envolve a transferência da captura de um arrastão para uma canoa de grande dimensão capaz de transportar cerca de 450 vezes mais peixe do que uma canoa artesanal de pesca. Em 2017, a saiko retirou 100.000 toneladas de peixe somente das águas do Gana, lesando aquele país em milhares de dólares de receitas, de acordo com a Fundação para a Justiça Ambiental.