EQUIPA DA ADF
Os arrastões chineses pescam frequentemente de forma ilegal em todo o sudoeste do Oceano Índico e os seus capitães e tripulações geralmente abusam dos trabalhadores estrangeiros a bordo.
Novos pormenores sobre o que se passa a bordo dos arrastões foram revelados num relatório da Fundação para a Justiça Ambiental (EJF), que há anos documenta as acções ilegais da frota pesqueira chinesa em águas longínquas, de longe a maior do mundo.
A fundação entrevistou 44 membros da tripulação da Indonésia e das Filipinas que trabalharam em 27 navios atuneiros chineses no sudoeste do Oceano Índico entre Julho de 2017 e Agosto de 2023. No início de 2024, entrevistou outros 16 pescadores moçambicanos que trabalharam em arrastões chineses na região.
Cada membro da tripulação disse ter testemunhado alguma forma de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), incluindo a remoção de barbatanas de tubarão, que envolve cortar as barbatanas de um tubarão e depois atirar o tubarão vivo de volta ao mar, uma prática que um membro chamou de “sádica.” As barbatanas de tubarão são utilizadas na medicina tradicional chinesa e como alimento.
Durante as inspecções, as barbatanas de tubarão eram frequentemente escondidas em compartimentos especiais ou em congeladores.
“Era óbvio que as escondíamos, tínhamos de as manter escondidas,” disse um membro da tripulação à EJF. “Porque quando íamos para as Maurícias, havia uma inspecção, por isso tínhamos de as esconder muito bem […] porque os tubarões são animais protegidos.”
Outro membro da tripulação expressou remorsos pela morte de golfinhos a bordo.
“Em vez de os matar instantaneamente, foram torturados,” disse. “Eram cortados […] e depois eram libertos.”
Os membros da tripulação também denunciaram a utilização ilegal de luzes artificiais para capturar atum à noite.
A China é o pior infractor da pesca ilegal do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN. Entre as principais 10 empresas envolvidas na pesca ilegal, a nível global, oito são provenientes da China.
A pesca ilegal desenfreada praticada por navios chineses na África Ocidental dizima as unidades populacionais de peixe e ameaça a subsistência de milhões de pessoas durante décadas. O flagelo custa agora à região cerca de 10 bilhões de dólares por ano, de acordo com o Centro Stimson, um grupo de reflexão. A África Ocidental é actualmente considerada o epicentro mundial da pesca ilegal.
‘Não é normal’
Todos os membros da tripulação entrevistados pela fundação disseram que também testemunharam ou sofreram alguma forma de abuso a bordo, incluindo violência física, condições de trabalho e de vida abusivas e foram forçados a trabalhar fora de horas de forma excessiva.
Os tripulantes chineses gritavam e praguejavam habitualmente com os tripulantes estrangeiros, em especial com os pescadores inexperientes, quando estes cometiam pequenos erros ou quando alguém era ferido ou se cansava. Também denunciaram frequentemente ameaças por parte do capitão do navio e da tripulação sénior.
“Os chineses não têm respeito,” disse um pescador moçambicano à EJF. “Agressão, bater-nos enquanto trabalhamos — os chineses fazem isso. Não sei se isso é algo que eles vêem como normal, mas para nós, moçambicanos, não é normal. [Eles] batem e insultam os trabalhadores.”
Dos 44 pescadores indonésios e filipinos entrevistados, 41 afirmaram ter recebido menos do que o valor acordado no contrato. Um homem disse que foi forçado a assinar um novo contrato com um salário mais baixo depois de ter embarcado no navio. Os membros estrangeiros da tripulação são normalmente recrutados em troca de um empréstimo e são obrigados a pagar as despesas de transporte e de subsistência. Um homem disse que ficou com 38,27 dólares após sete meses no mar devido a deduções no salário para pagar o seu empréstimo e porque o dinheiro que lhe tinha sido garantido foi retirado.
“Senti-me como um mendigo quando regressei a casa porque não tinha dinheiro nenhum,” disse à fundação.
Quatro Mortes Registadas
Quase todos os membros da tripulação descreveram condições de vida deploráveis a bordo e falta de comida, água potável e material médico. Registaram quatro mortes, incluindo a de um homem que foi forçado a trabalhar enquanto estava doente.
“Um dia, ele desmaiou e foi levado para o seu quarto,” disse um membro da tripulação. “No dia seguinte, os seus pés já estavam inchados. Um amigo meu que sabia falar chinês falou com o capitão. O capitão dirigiu-se então para o porto das Seychelles. O navio estava a três dias de chegar ao porto, mas ele não conseguiu lá chegar.”
As empresas chinesas com os piores registos de pesca INN e de abusos de direitos humanos que operam actualmente no sudoeste do Oceano Índico são a Shandong Zhonglu, a Zhejiang Ocean Family e a China National Agricultural Development Group, segundo a fundação.
O relatório da EJF apresenta uma série de recomendações aos Estados-membros da Convenção do Atum do Oceano Índico, incluindo as Comores, a Eritreia, o Quénia, Madagáscar, as Maurícias, Moçambique, as Seychelles, a Serra Leoa, a Somália e o Sudão.
Muitas das recomendações envolvem o reforço ou a alteração de regulamentos existentes destinados a dissuadir a pesca ilegal e a melhorar ainda mais as medidas de monitorização, controlo e vigilância, tais como o estabelecimento de um “sistema de monitorização de navios parcialmente centralizado e um esquema de embarque e inspecção em alto mar.”
A fundação também recomendou que a comissão adoptasse uma resolução sobre as normas laborais nas pescas.
Nas zonas económicas exclusivas do Quénia e das Seychelles, os arrastões de pesca do atum têm normalmente a bandeira das Seychelles, mas são propriedade de cidadãos chineses. Trata-se de uma questão de longa data. A fundação recomendou que os Estados que actuam como pavilhão local para os navios de pesca chineses exijam que todos os navios de pesca forneçam pormenores sobre os acordos de propriedade e registos sobre o destino dos lucros das actividades de pesca quando solicitam licenças de pesca.
A fundação também apelou a uma maior transparência no que diz respeito ao investimento em infra-estruturas da economia azul, com a disponibilização pública de informações sobre o financiamento, as partes envolvidas e os efeitos ambientais e socioeconómicos.