EQUIPA DA ADF
Através da sua Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), a China concedeu bilhões de dólares em empréstimos para países africanos, numa variedade de projectos de infra-estruturas de grande envergadura, desde auto-estradas e portos até centrais eléctricas e edifícios governamentais.
Embora países como Angola, Quénia e Moçambique tenham reconhecido a maior parte das suas dívidas à mutuantes chineses, um novo estudo feito pelo projecto AidData revelou que muitos países do continente são responsáveis por outros bilhões em “dívidas ocultas” — dívidas emitidas a entidades privadas ou a empresas operadas pelo Estado pelas quais os governos nacionais também são responsáveis no advento de um incumprimento.
A nível global, a escala das dívidas ocultas é substancialmente maior do que aquilo que as instituições financeiras ou as organizações governamentais anteriormente compreendiam, de acordo com o relatório “Bancarização do Cinturão e Rota.”
Em África, o relatório estima que pelo menos quatro países — Angola, República Democrática do Congo, Moçambique e Namíbia — possuem dívidas ocultas para com China em mais de 10% do seu produto interno bruto.
O relatório examinou as práticas de empréstimos da China entre o ano de 2000 e 2017, incluindo 13.000 projectos em todo o mundo, ligados à ICR, que iniciaram em 2013. Uma descoberta fundamental: Com o lançamento da ICR, a China alterou os seus empréstimos de forma drástica, afastando-se de empréstimos de governos com dívidas pesadas a favor de empréstimos a entidades não-governamentais.
Em muitos casos, estes novos empréstimos acarretavam taxas de juro muito mais elevadas do que os empréstimos de governo para governo. Eles também estavam frequentemente ligados à projectos, como portos e centrais eléctricas e que esperavam reembolsar as suas dívidas através do seu próprio rendimento, mas, muitas vezes, com garantias governamentais que os apoiavam. Isso dificulta a visualização das linhas entre as dívidas privadas e públicas.
Tais empréstimos permitem que governos desenvolvam projectos de infra-estruturas sem que estejam inscritos nos seus livros contabilísticos, observa o relatório.
“A razão pela qual isso é um problema,” Director-Executivo da AidData, Brad Parks, disse à ADF, “é porque se e quando estas instituições mutuárias fora do governo central tiverem um incumprimento nas suas obrigações de reembolsos, o governo central pode enfrentar uma pressão significativa para as salvar desta situação e reembolsar as suas dívidas não pagas à China.”
Em África, alguns destes projectos incluem a Linha Férrea de Bitola Padrão, do Quénia, a Central Eléctrica Zesco, da Zâmbia, e o Sistema Metropolitano Ligeiro de Adis Abeba, da Etiópia. Todos estes três projectos enfrentaram problemas para reembolsar os seus empréstimos por causa de obtenção de rendimentos abaixo do esperado e outros problemas.
A AidData descobriu que, até 2017, a China tinha emprestado a países africanos 41,7 bilhões de dólares para projectos relacionados com desenvolvimento (tais empréstimos incluíam o potencial de até 25% para serem perdoados), mas mais de triplo disso — aproximadamente 136 bilhões de dólares — em empréstimos menos flexíveis e orientados ao comércio.
Os maiores receptores destes empréstimos comerciais em África foram Angola (40,65 bilhões de dólares), Etiópia (8,9 bilhões de dólares), Quénia (7,02 bilhões de dólares), Nigéria (6,82 bilhões de dólares) e Sudão (7,55 bilhões de dólares).
Muitos destes empréstimos foram emitidos utilizando os projectos que financiaram como garantia, criando o potencial para a China assumir peças principais das infra-estruturas nacionais caso os mutuários registassem um incumprimento no pagamento das suas dívidas.
“Contudo, a probabilidade de a China assumir a posse dos projectos dados como garantia é baixa,” disse Parks.
“Geralmente, o que eles farão é exigir que estes mutuários mantenham um saldo mínimo numa conta bancária offshore que seja controlada pelo mutuante,” disse.
Desta forma, a China é paga em caso de incumprimento sem que tenha de levar o mutuário ao tribunal para recuperar o dinheiro que deve, acrescentou.
Com o surto global da COVID-19, em 2020, muitos países repentinamente viram-se com dificuldades de alcançar os seus rendimentos, aumento de exigências com cuidados de saúde e atrasos de pagamentos de empréstimo. Renegociar estas dívidas comerciais demonstrou ser difícil e moroso na maior parte dos casos. Alguns países procuraram ajuda do Fundo Monetário Internacional apenas para ver os seus pedidos obstruídos pelos acordos de confidencialidade ligados aos seus empréstimos das dívidas ocultas.
“A Zâmbia é um caso paradigmático,” disse Parks. “Alguns dos seus maiores credores privados recusam-se a renegociar as suas dívidas até que obtenham mais informação sobre as reivindicações da China e os termos da reestruturação da dívida da China.”
Parks disse que é importante lembrar que os países africanos fizeram os seus acordos com a China — e colocaram-se nas dívidas nesse processo — voluntariamente.
“Ninguém devia trabalhar sob a falsa presunção de que as instituições mutuárias dos países em vias de desenvolvimento não têm mecanismos de acção ou escolha,” disse. “Os países precisam de ser cuidadosos quanto à acumulação de valores insustentáveis de dívidas para com a China.”