EQUIPA DA ADF
Enquanto as dívidas aumentam em muitos países africanos, os grupos da sociedade civil apelam para uma maior transparência para que os cidadãos possam fazem o acompanhamento de exactamente como o dinheiro público é gasto.
Um exemplo disso é o Quénia, onde as autoridades estão a recusar-se a revelar as condições do empréstimo chinês que financiou a Linha Férrea de Bitola Padrão (SGR, na sigla inglesa), avaliada em 4,7 bilhões de dólares, entre Mombasa e Naivasha. As autoridades afirmam que as cláusulas de confidencialidade as impedem de tornar públicos os pormenores do empréstimo.
Esta resposta não foi suficiente para os defensores da sociedade civil, Khelef Khalifa e Wanjiru Gikonyo, que processaram o governo para terem acesso a todos os documentos do projecto de linha férrea, nos termos da Lei de Acesso à Informação daquele país.
“Temos o direito de conhecer os pormenores do projecto: como o nosso dinheiro é gasto, as consequências de um incumprimento do empréstimo e o processo de tomada de decisões do governo ao assinar o acordo,” Khalifa disse num comunicado emitido pela Okoa Mombasa, uma coligação de funcionários, profissionais e grupos da sociedade civil de Mombasa.
A não lucrativa SGR é o maior projecto queniano de infra-estruturas e a maior fonte da dívida estrangeira. É também representativo das formas que o Quénia e cerca de duas dezenas de outros países africanos continuam mergulhados em dívidas para com credores chineses — dívidas que, muitas vezes, têm falta de transparência e que são difíceis de reembolsar ou renegociar.
Essa falta de transparência dificultou que as agências internacionais ajudassem os países a reestruturar as suas dívidas, porque é impossível saber exactamente quanto eles têm em dívida, de acordo com um relatório do Banco Mundial. A agência diz que os países africanos terão de contrair ainda mais dívidas para reconstruir as suas economias enquanto emergem da pandemia.
“A diminuição de receitas e os défices do sector público em geral aumentaram o risco de que as dívidas não declaradas venham a emergir e dificultar que estes países paguem ou reestruturem as suas dívidas,” argumentou o relatório.
A tensão económica criada pela pandemia da COVID-19 piorou as coisas, afirmam os analistas.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), 20 países africanos de baixa renda estavam a enfrentar dificuldades económicas na segunda metade de 2021, especialmente devido às suas dívidas para com a China. De acordo com uma análise dos dados do Banco Mundial feita pela Iniciativa de Pesquisa China-África, a China detinha 21% das dívidas africanas em 2021. Os empréstimos chineses representaram 30% dos pagamentos de dívidas dos países africanos naquele ano. Os analistas afirmam que o sigilo que cerca os empréstimos chineses significa que esta percentagem provavelmente seja muito mais elevada.
Nalguns casos, estes empréstimos são concebidos para serem reembolsados por meio de mercadorias como petróleo, bauxite ou cobre em vez de dinheiro. Quando os preços das mercadorias baixa, conforme aconteceu no período inicial da pandemia, os países encontram-se sem dinheiro para efectuar os pagamentos dos seus empréstimos.
Desde o lançamento da Iniciativa do Cinturão e Rota, a China deixou de emprestar aos governos centrais e a empresas estatais ou apoiadas pelo Estado. Estas dívidas não aparecem nos balanços financeiros do governo, embora frequentemente os governos sejam responsáveis por elas caso o devedor oficial não seja capaz de pagar.
“O problema das ‘dívidas ocultas’ é menos uma questão de os governos saberem que terão de satisfazer o serviço de dívidas não declaradas (com valores monetários conhecidos) para com a China do que uma questão de os governos conhecerem os valores monetários das dívidas para com a China que eles podem ou não podem ter de pagar no futuro,” pesquisadores do projecto AidData disseram numa análise dos empréstimos da China para os países de baixa e média renda do mundo inteiro.
A dificuldade de reembolsar os empréstimos chineses levanta um espectro de uma “armadilha da dívida” em que a China pode reivindicar os portos, as linhas férreas e outras peças fundamentais das infra-estruturas africanas para recuperar os seus empréstimos.
Os países do G20 concederam aos países africanos uma prorrogação da data de pagamento e outros alívios da dívida, assim como o fizeram o FMI e o Banco Mundial. Os credores chineses, contudo, recusaram-se a oferecer um alívio generalizado, obrigando os devedores a renegociarem os seus empréstimos um por um.
O G20 encerrou o seu programa de alívio primário, a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida, no ano passado, e fez o lançamento de uma nova iniciativa, chamada Quadro Comum para o Tratamento da Dívida. A China faz parte desta estrutura, que seria aplicável para os credores privados juntamente com o governo e os financiamentos internacionais.
Até agora, apenas Chade, Etiópia e Zâmbia procuraram alívio através do Quadro Comum, tendo cada um experimentado “atrasos significativos,” nas palavras do FMI. Alguns destes atrasos têm a ver com a complexidade necessária para estabelecer o Quadro Comum. Outros atrasos são causados por problemas financeiros ou políticos daqueles países.
O FMI apelou para a suspensão dos pagamentos das dívidas enquanto o G20 conclui os pormenores do Quadro Comum.
“Podemos ver um colapso económico em alguns países, a menos que os credores do G20 concordem em acelerar a reestruturação e suspensão do serviço da dívida enquanto a reestruturação está a ser negociada,” escreveu o FMI numa publicação de um blogue. “Também é de extrema importância que os credores do sector privado implementem alívios da dívida com base em termos comparáveis.”
Entretanto, os países africanos continuam a procurar por formas de gerir as suas enormes dívidas para com a China.
Em Uganda, por exemplo, a Autoridade de Aviação Civil (CAA, na sigla inglesa) deve ao Eximbank da China, 200 milhões de dólares pelas renovações feitas ao Aeroporto Internacional de Entebbe. Em Outubro último, os parlamentares convidaram o Ministro das Finanças, Matia Kasaija, para explicar o acordo e a possibilidade de a China reivindicar o aeroporto caso a CAA não consiga manter os seus pagamentos.
“Não devíamos ter aceitado algumas das cláusulas,” Kasaija disse aos parlamentares. “Mas eles disseram que o preço era ‘pegar ou largar’.”
No final, caso a CAA não consiga efectuar os seus pagamentos, o governo central será obrigado a intervir e pagar, disse Kasaija.