EQUIPA DA ADF
Depois de falhar o seu pagamento de 14 de Outubro na dívida relativa a emissões de euro-obrigações, a Zâmbia está a preparar-se para entrar num incumprimento de bilhões de dólares na sua dívida com credores estrangeiros, em parte, devido à pressão que a COVID-19 colocou sobre a sua economia.
Na altura em que ficou sem efectuar o seu pagamento de 42,5 milhões de dólares da emissão de euro-obrigações, o governo da Zâmbia estava a tentar uma prorrogação do prazo dos pagamentos até Abril, mas não conseguiu concluir o acordo. Fará outra tentativa no dia 13 de Novembro, no fim do período de graça, de 30 dias, para efectuar o pagamento que não conseguiu fazer no dia 14 de Outubro.
Essa reunião de acompanhamento pode não produzir uma solução. Depois de ficar sem efectuar o reembolso da emissão de euro-obrigações, o governo zambiano anunciou que iria suspender o pagamento de toda dívida estrangeira. O serviço de classificação internacional de crédito, Standard & Poor, colocou a dívida da Zâmbia abaixo do padrão, reduzindo-a para uma classificação de “incumprimento selectivo.”
O analista baseado em Lusaka, Trevor Hambayi, disse à ADF que a Zâmbia já estava a caminhar em direcção ao problema mesmo sem o impacto da pandemia.
“A crise da dívida em que a Zâmbia se encontra era inevitável, uma vez que o principal impulsionador desta crise foi a velocidade com a qual o país continuou a contrair dívidas,” disse Hambayi, parceiro sénior de gestão da firma Development Finance Associates, sediada na Zâmbia. “O agravamento da responsabilidade do serviço da dívida do país absorve 69% de todos os recursos domésticos, sendo assim, qualquer potencial estratégia de crescimento económico tem de estar alinhada com o serviço da dívida.”
A Zâmbia possui uma dívida de pelo menos 12 bilhões de dólares, embora a falta de transparência relacionada com as suas dívidas com a China faça com que seja difícil obter o valor exacto. Esta incerteza minou a possibilidade da Zâmbia de obter o apoio do Fundo Monetário Internacional na sua proposta de prorrogação do pagamento por seis meses.
Numa entrevista do dia 18 de Outubro, concedida a Bloomberg, a antiga Ministra das Finanças da Zâmbia, Margaret Mhango Mwanakatwe, defendeu o histórico dos empréstimos do seu país.
“A dívida, por maior que pareça, acreditamos que é um investimento para o futuro,” disse.
Complicando ainda mais a sua imagem financeira, a Zâmbia solicitou um empréstimo de dinheiro para cobrir os seus custos relacionados com a COVID-19, mas depois usou uma parte desse dinheiro para pagar outras dívidas. Os analistas da NKC Africa Economics, em Joanesburgo, descreveram a abordagem como sendo uma situação difícil que a Zâmbia enfrenta, onde tem de “roubar a Pedro para pagar a Paulo.”
Assim como muitos países africanos, a Zâmbia viu o seu sistema de saúde debaixo de uma enorme pressão causada pela pandemia da COVID-19. Ao mesmo tempo, a recessão económica relacionada com a pandemia e os elevados impostos causaram a redução da procura de cobre, o seu principal produto de exportação.
O cobre representa 70% do rendimento das exportações da Zâmbia. Os preços baixaram drasticamente no início deste ano quando o confinamento obrigatório da COVID-19 causou um decréscimo nas actividades económicas. Os preços começaram a recuperar, mas não o suficiente para salvar a Zâmbia.
“Mesmo a subida do preço do cobre no mercado internacional e a ausência do impacto da pandemia teriam feito pouco para adiar a iminente crise da dívida,” disse Hambayi.
Na década anterior, a Zâmbia aumentou quarto vezes a sua dívida externa, de 3 bilhões de dólares para os actuais 12 bilhões de dólares, quando fez o lançamento de uma explosão de construções de infra-estruturas maioritariamente financiadas por chineses. Até então, os bancos chineses demonstraram pouco interesse em reestruturar o calendário de pagamentos da Zâmbia.
“A plataforma na qual o governo zambiano podia trazer este debate [com a China] para um nível superior é extremamente vaga,” disse Hambayi, “visto que os termos e as condições da dívida chinesa são desconhecidos.”
Entre as dívidas chinesas da Zâmbia encontra-se o empréstimo de 1,7 bilhões de dólares concedidos a Zesco, a empresa nacional de electricidade da Zâmbia, para a construção do projecto Kafue Gorge Lower Hydro. A Zesco está no meio de um processo judicial, de 300 milhões de dólares, submetido pela empresa de electricidade Maamba Collieries, que exige o pagamento da electricidade que fornece a partir da sua central eléctrica a carvão.
Ter tantas dívidas chinesas ligadas a Zesco aumenta a probabilidade de a China impedir o acesso a uma componente-chave da soberania da Zâmbia. O governo chinês procurou usar tácticas semelhantes quando a Sri Lanka teve um incumprimento nos pagamentos relacionados com o seu Porto de Hambantota.
Esse resultado, caso aconteça, enquadrar-se-ia com a actual estratégia da China de expandir a sua presença global, disse Hambayi.
“A China irá utilizar a sua vantagem económica para assumir o controlo de qualquer potencial projecto de infra-estruturas que esteja ligado com os seus financiamentos,” disse.
Hambayi considera a situação da Zâmbia como única no continente e que provavelmente não venha a inspirar incumprimentos por parte de outros países. Dito isto, o país precisa de pôr ordem nas suas questões financeiras, acrescentou.
“A situação da dívida da Zâmbia está intimamente relacionada com o seu futuro económico,” disse Hambayi.