EQUIPA DA ADF
Após meses de relativa acalmia, uma vaga de novos ataques do grupo terrorista Estado Islâmico-Moçambique (ISM) está a fazer com que muitas pessoas abandonem as suas casas na província de Cabo Delgado.
Até agora, em 2024, mais de 99.000 pessoas, incluindo 61.492 crianças, fugiram das suas casas em Cabo Delgado, informou o grupo de caridade Save the Children a 5 de Março. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, das 70.000 pessoas que fugiram para o distrito de Nampula, a sul, 85% eram mulheres.
“Há relatos repetidos de decapitações e raptos, incluindo múltiplas vítimas infantis,” afirmou a instituição de caridade num comunicado, referindo que mais de 100 escolas da província foram encerradas.
No início de Março, as autoridades locais informaram que mais de 70 crianças foram separadas das suas famílias e desapareceram depois de os recentes ataques terem forçado milhares de pessoas a fugir. Receia-se que alguns se tenham afogado num rio ou sido raptados pelo ISM, que provavelmente os utilizaria como crianças-soldado, escravos e trabalhadores.
Após meses de operações de combate ao terrorismo bem-sucedidas, o número de elementos do ISM desceu para “160 a 200 combatentes com experiência de combate,” de acordo com um relatório da ONU de 29 de Janeiro.
O chefe do exército moçambicano, Major-General Tiago Nampele, disse em Dezembro que Cabo Delgado estava “90-95% seguro.” Porém, a 2 de Março, 300 combatentes do ISM terão tomado e ocupado a cidade costeira de Quissanga, uma capital de distrito que o exército moçambicano tinha deixado desprotegida. No dia seguinte, os insurgentes decapitaram três membros das forças de segurança na ilha vizinha de Quirimba.
Os novos ataques atingiram áreas que estavam relativamente intocadas desde o início da insurgência, incluindo uma investida sustentada no distrito de Chiúre, perto da fronteira sul da província.
“As acções [do ISM] em Fevereiro são notáveis pela sua relativa intensidade e pela ausência de uma resposta eficaz por parte das forças do Estado,” informou o Cabo Ligado, um site que monitoriza a insurgência, num relatório de situação de 7 de Março.
A insurgência, que se transformou em conflito violento a partir de queixas locais em 2017, obrigou mais de 1,3 milhões de pessoas a abandonar as suas casas nos últimos seis anos e meio. A maioria dos deslocados foi vítima ou testemunhou actos de violência extrema, incluindo assassinatos, raptos, extorsão, violência sexual e aldeias incendiadas. Muitos viram familiares e vizinhos serem decapitados ou mortos a tiro. Alguns perderam toda a sua família.
Esperança Chinhanja, psicóloga da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Macomia, um dos distritos mais afectados de Cabo Delgado, conhece famílias deslocadas que necessitam de alimentos, abrigo, cuidados de saúde e apoio emocional.
“As pessoas deslocadas foram muitas vezes traumatizadas pela violência,” disse na página da internet da MSF. “Algumas pessoas sofrem de ansiedade, ataques de pânico, insónias e isolamento. Alguns partilham o facto de terem perdido o sentido da vida e mencionam pensamentos suicidas.”
Atija, mãe de dois filhos, partilhou a sua história com a MSF na sua clínica em Nanga.
“Eu estava grávida quando a nossa aldeia foi atacada no distrito de Meluco em 2022,” disse à MSF. “Vi a minha casa \ser incendiada, perdemos tudo o que tínhamos nesse dia. A minha família e eu fugimos para o mato e caminhámos durante dois dias. Desde então, nunca mais fui a mesma e continuo a debater-me com ataques de pânico, insónias e, na maior parte do tempo, quero estar sozinha. Encontro forças para continuar a viver nos meus filhos e tento arranjar comida para nós.”
Filippo Grandi, o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, que visitou Cabo Delgado em Março, observou que, embora 600.000 pessoas tenham podido regressar às suas casas, o recente aumento dos ataques dos insurgentes faz com que o número total de moçambicanos deslocados pela violência seja agora superior a 700.000.
O aumento das deslocações sublinha a fragilidade da segurança em Cabo Delgado, disse Piers Pigou.
“O governo reconhece que apenas um punhado de insurgentes pode gerar uma incerteza generalizada,” disse o investigador do Instituto de Estudos de Segurança à The Associated Press. “Esta situação só mudará se as comunidades acreditarem muito mais que as forças de segurança serão capazes de proporcionar a estabilidade necessária.”