Carinhosamente tratado por “Baba de África” ou “Pai de África,” Olusegun Obasanjo serviu como militar, governante, pacificador e advogado de direitos humanos. Nascido em 1937, no sudoeste da Nigéria, passou mais de 20 anos nas Forças Armadas, tendo chegado à patente de general de duas estrelas. Serviu como chefe de Estado da Nigéria duas vezes, de 1976 a 1979 e de novo de 1999 a 2007. Em 1979, tornou-se o primeiro governante militar em África a passar o poder a um governo civil e, em 2007, participou na primeira transição pacífica de poder da Nigéria, de uma administração civil para outra. Depois da sua presidência, serviu como mediador de vários conflitos e dirigiu esforços de monitoria de eleições pelo continente. Em 2021, foi nomeado enviado da União Africana para o Corno de África. Ele falou à ADF por via telefónica a partir da sua casa em Abeokuta, Nigéria. O seu discurso foi editado para se adequar a este formato.
ADF: Como jovem, por que decidiu servir o seu país nas Forças Armadas?
Obasanjo: Nos meus dias, as oportunidades para o ensino superior na Nigéria eram limitadas. Em meados da década de 1950, quando eu estava a concluir a escola secundária, apenas existia uma universidade na Nigéria. Eu fui admitido na Universidade de Ibadan, mas não tive auxílio, por isso, não pude ir. Depois, a oportunidade para dar continuidade aos meus estudos através do Exército veio quando vi um anúncio para tornar-se um oficial aspirante. Era necessidade, ânimo e a atracção de algo novo. Não vim daquilo que se pode chamar de família militar. A tradição na minha família era mais ligada à guerra entre tribos e coisas desse género. A minha família era bem destacada nisso. Mas ninguém na minha família se tinha alistado no exército antes de eu o fazer. É o que me fez entrar. Era curiosidade, animação e necessidade.
ADF: Durante mais de 20 anos de serviço militar, terá havido um evento que tenha sido o mais importante? O que se destaca para si?
Obasanjo: Provavelmente eu mencionaria duas coisas. A primeira foi o meu treino em Acra, Gana. Juntei-me ao Exército antes da independência da Nigéria, e, naqueles dias, tínhamos aquilo que se chamava de escola de formação de oficiais aspirantes para África Ocidental Britânica, em Gana. Lá conheci estudantes da Serra Leoa, oficiais aspirantes ganeses, oficiais aspirantes nigerianos de todas as partes da Nigéria –– Yoruba, Igbo, Northerner –– essa foi realmente uma experiência muito importante da minha vida. Foi muito importante. Eu carreguei isso para continuar a minha formação militar no Reino Unido onde não havia apenas estudantes africanos, mas estudantes do resto da commonwealth. Muito cedo na minha vida, isso foi muito instrutivo e um pouco determinante.
O outro e mais importante evento foi quando tive de ir servir como parte das Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas no Congo, em 1960. Aquilo foi simbólico. A lição que aprendi naqueles primeiros dias da minha formação e exposição precoce aos serviços internacionais através da manutenção da paz como um oficial muito jovem continua inesquecível na minha memória e na minha vida.
ADF: O senhor foi um opositor vocal do governo militar na Nigéria. Na verdade, em 1979, tornou-se no primeiro chefe de Estado militar nigeriano a fazer a entrega do poder a um governo civil eleito democraticamente. O que o levou a defender a liderança civil?
Obasanjo: Isso foi essencialmente influenciado pela minha formação militar. Na formação que eu tive, o exército está sujeito à autoridade civil. Isso ficou enraizado na minha própria formação e na minha vida. Quando os golpes começaram em África pouco depois do período da independência, isto era contrário à minha formação. Era contrário à ética do exército. A outra coisa que eu vi foi que, na verdade, isso punha em causa a organização do exército. O exército é uma organização hierárquica. Quando encontramos um homem que ontem era o seu subalterno agora está a levar uma arma para a assembleia da república e alveja ou prende o Primeiro-Ministro ou o Presidente e depois ele torna-se o presidente militar, isso desorganiza a hierarquia do exército. Isso ofendia a camaradagem do exército. Acredito que a melhor coisa a fazer é colocar o exército de volta para onde ele deve estar: nos quartéis. Acredito que devemos tirar o exército do governo e fazer com que sejam adequadamente treinados, adequadamente profissionalizados e adequadamente equipados. É isso que o exército quer: estar pronto para o serviço em apoio à autoridade civil.
ADF: O senhor passou três anos na prisão, de 1995 a 1998, por opor-se ao governo militar de Sani Abacha. Por que esteve firme contra estes princípios democráticos, sabendo que poderia pagar um preço pesado?
Obasanjo: Quando se acredita em algo, deve-se estar preparado para fazer um sacrifício para tal. Não se pode afirmar que se acredita em algo e depois não estar pronto para dar o que se exige. Eu acredito que o exército não deve estar no governo e agi quando tive a necessidade de agir com base nisso. Acredito que se alguém não defender nada, acabará por cair por qualquer coisa. Numa vida dedicada a princípios, a certos padrões e regras, deve-se estar disposto a pagar o que for necessário. No fim do dia, você pode estar certo, mas se estiver errado, também deve estar pronto para aceitar isso. Com o tempo, parece que estive certo neste caso.
ADF: Depois da sua dispensa, o senhor concorreu como civil e foi eleito presidente em 1999. O senhor fez do profissionalismo militar uma das suas prioridades principais como presidente, e, depois de assumir o poder, forçou a reforma de 93 oficiais militares. Por que isso foi importante e que mensagem queria transmitir ao exército e ao país?
Obasanjo: Tivemos estes jogos de cadeiras do exército, removendo os civis, depois os civis regressam e o exército os remove mais uma vez, e assim por diante. As pessoas estavam a dizer, “Olha, o que podemos fazer para acabar com este ciclo de golpes?” Algumas pessoas disseram, “Podemos escrever na constituição que um golpe é traição.” A questão é que as pessoas que fazem golpes sabem que é traição. É por isso que não deixam nada ao acaso. Independentemente de quanto tempo isso possa levar, penso que temos de fazer com que as pessoas não façam golpes. Temos que informar as pessoas que participar ou tirar benefícios máximos dos golpes não compensa. Isso assegura que as pessoas não desejem entrar em golpes. Tal foi o que me fez colocar aqueles oficiais na reforma. Não foi porque eram de algum modo maus, porque mais tarde trouxemos alguns deles de volta para o exército, nomeamos alguns deles embaixadores, até convidamos alguns para se juntarem a partidos políticos e por aí em diante. Outros tornaram-se governadores eleitos democraticamente. Mas a realização de golpes foi desencorajada e continua desencorajada até hoje. A ideia é que quando se vem como profissional militar, continue sendo profissional. Dedique a sua vida a servir o seu país e o seu povo e a servir a humanidade dessa forma. Se em qualquer momento desejar mudar de profissão, está livre de o fazer. Mas não utiliza o exército e a arma que lhe foi dada para proteger o seu Estado para destruir o mesmo Estado. Não tome a governação do seu país com base na ameaça de uma arma.
ADF: Como tentou instituir o profissionalismo militar na Nigéria durante o seu tempo no poder?
Obasanjo: Por causa do meu historial nos quartéis como segundo tenente até a um general de duas estrelas, eu sabia o que um oficial militar quer. Quer ser bem treinado. Quer ser bem equipado. Quer acomodações razoáveis. Quando tivemos a nossa guerra civil, o Exército Nigeriano cresceu da noite para o dia, de cerca de 12.000 para muito mais do que um quarto de um milhão. Um dos maiores problemas era a acomodação, por isso, prestei atenção especial a este ponto. Até compramos material pré-fabricado para construir quartéis. Isso foi muito importante. A outra coisa foi a formação. Prestamos atenção à formação, quer na Nigéria quer fora dela, e fundamos a primeira escola superior de pessoal. Também chegamos ao extremo de criar o Instituto Nacional da Polícia e Estudos Estratégicos, que é parcialmente militar e parcialmente civil. Todas estas eram formas de realmente fortalecer o profissionalismo. Uma outra coisa que introduzimos foi a parte financeira. Quando era um jovem oficial, era possível obter um empréstimo para adquirir uma viatura. Eu trouxe isso de volta para que os oficiais jovens possam comprar o seu próprio carro e depois de cinco anos reembolsar o empréstimo. Somente para lhes dar as coisas normais e básicas que existiam quando eu estava a crescer no exército. Tinha estado a desaparecer como resultado do exército ter participado na guerra civil e ter crescido para um número que era difícil de gerir. Tudo isso tinha de ser feito para tomar conta do bem-estar dos oficiais e dos homens e era para que eles pudessem sentir-se orgulhosos como militares.
ADF: O senhor tem uma longa história como mediador, tendo desempenhado esse papel em conflitos em Angola, Burundi, Chade, República Democrática do Congo, Moçambique, Namíbia e África do Sul. Em 2008, foi nomeado enviado especial do secretário-geral da ONU para a Região dos Grandes Lagos. Que habilidades especiais e conhecimentos tentou utilizar para mediar conflitos?
Obasanjo: A forma como cresci é particularmente útil na mediação. Cresci numa cultura onde a mediação é considerada parte das nossas vidas e experiências vividas. Acreditamos que onde quer que haja pessoas, sempre haverá algo para mediar, reconciliar, acalmar e tudo mais. Um mediador deve ouvir ambos os lados e deve ser absolutamente neutro. Não que não tenha emoções como ser humano, mas as suas emoções devem ser subjugadas. Deve também conhecer a história de qualquer situação que quiser mediar. Qual é a história? O que aconteceu antes? Deve saber qual é o mínimo que cada um dos lados está disposto a aceitar. Eles têm uma lacuna e a sua tarefa deve ser de reduzir gradualmente esta lacuna. Se um disser “Eu aceito cinco” e o outro estiver a pedir 10, como fazer com que aquele que diz apenas “cinco,” venha para seis e aquele que diz “10” venha para nove? Começa a reduzir-se. Acreditamos que um mediador deve ter paciência. Independentemente do que acontecer, sempre deve receber sem se chatear. As pessoas irão dizer coisas contra si, mas deve defender aquilo que é a verdade. As pessoas normalmente não gostam de ouvir isso. Cada lado quer ter a sensação de que ganhou e um bom mediador vai fazer com que cada um sinta que ganhou.
ADF: A sua carreira militar ajudou?
Obasanjo: No exército aprende-se que no fim de quase todas as guerras ou conflitos existem sempre negociações, mediações, conversações, reconciliação. No meu próprio país, tivemos uma guerra civil em que destruímos a maior ponte que tínhamos, a única refinaria que tínhamos, matamos em ambos os lados. Era uma guerra que nunca devíamos ter começado, mas no fim ainda tivemos de nos reconciliar. A mediação requer habilidades baseadas na experiência, habilidades que se obtêm da cultura das pessoas. Na nossa parte do mundo, nós dizemos que um mediador deve estar pronto para ficar com o nariz a sangrar. Um mediador não deve tomar partidos. No exército, claro, há certas coisas que se aprendem. Por exemplo, como tratar os prisioneiros de guerra? Estas coisas que cheguei a ver na mediação também são essenciais. Cada grupo deve ter o sentimento de algum ganho para si. Não deve haver vitorioso, nem vencido.
ADF: Desde que deixou o cargo, um dos papéis que desempenhou no continente foi de observador de eleições, mais recentemente na Etiópia. Por que observar as eleições é tão importante para si?
Obasanjo: O processo de observação de eleições dá, particularmente à oposição, um sentimento de que todas as coisas correrão bem. Transmite a ideia de que o grupo ou o partido no poder não irá desprezar a tudo e todos. Ajuda para a paz e credibilidade nas eleições.
Claro, não existem eleições que possam ser consideradas perfeitas. Independentemente do quão grande ou meticulosa a missão de observação venha a ser, ainda existirão coisas que não serão capazes de ver. Mas existe um sentimento no país, em que as missões de observação estão envolvidas, de que, se as coisas correrem mal, estas pessoas irão dizer. Sempre digo aos países aonde vou em missões de observação de eleições: “Nós somos observadores; não somos intervencionistas. Iremos comunicar aquilo que tivermos visto, mas não somos juízes.” Também sugerimos e fazemos recomendações sobre como as coisas podem melhorar. Em alguns casos, isso funcionou. Inicialmente, eu não queria ir para a Etiópia. Perguntava-me, “Para que fim servirá uma eleição?” O presidente da União Africana, embaixador Moussa Faki, ligou-me e eu disse, “Estou relutante.” Ele disse, “Para que propósito você iria querer que as eleições na Etiópia servissem?” Eu disse, “Eu quero que abram o caminho para negociações. Abram o caminho para conversações entre os tigrenhos e o governo central e entre os diferentes grupos da Etiópia.” E o embaixador Faki disse, “Bem, é por isso que você deve aceitar esta responsabilidade. Se você estiver lá, pode ser capaz de encorajá-los a fazerem isso.” É por isso que fui e, até certo ponto, ele tinha razão. Embora ainda não estejamos onde gostaríamos de estar na Etiópia, acredito que, depois das eleições, todos estarão mais ou menos dispostos a conversar. Uma missão de observação não resolve todos os problemas, mas onde ela puder ser útil, vamos colocá-la a trabalhar.
ADF: Enquanto África emerge da pandemia da COVID-19, qual é a sua maior esperança para esta geração de líderes do sector de segurança e para os líderes civis? Como eles devem aproveitar este momento? Tem algum conselho?
Obasanjo: Temos uma variedade de coisas à nossa frente e existem ferramentas para nos orientar. Temos a Visão das Nações Unidas para África 2030; temos o África Que Queremos 2063. Temos os desafios que estão aí para todos nós. Temos o desafio das mudanças climáticas, os desafios de segurança em toda a África, terrorismo local, terrorismo internacional, má gestão das nossas economias, má governação e, acima de tudo isso, temos a pandemia da COVID-19. O que direi? Embora as coisas pareçam pouco promissoras, se nos unirmos a nível nacional, regional e continental, acredito que iremos nadar juntos em vez de afundarmos individualmente. O que precisamos não está fora do nosso alcance. Temos de compreender que o mundo em que vivemos não nos dará tudo numa bandeja de ouro. Temos de lutar. Devemos fazer com que o mundo saiba que fazemos parte dele e iremos trabalhar arduamente para obtermos aquilo que precisamos. Podemos fazer isso juntos nas nossas comunidades, juntos no nosso país e juntos no continente. Deve haver parcerias em África, integração particularmente na frente económica e parceria entre África e o resto do mundo. Os jovens devem compreender que ninguém lhes deve dizer, “Vocês são os líderes do amanhã.” Eu dir-lhes-ia isto: “A vossa liderança começa hoje.” Caso contrário, algumas pessoas irão destruir o seu amanhã. Eles devem fazer parte do hoje, para que o seu amanhã não seja destruído.