EQUIPA DA ADF
Novos dados revelam como a segurança do Burquina Faso se deteriorou nos dois anos que se seguiram à tomada do poder pelos militares num golpe de Estado.
O Burquina Faso é actualmente o país mais afectado pelo terrorismo no mundo, de acordo com o Índice Global de Terrorismo. As Nações Unidas informaram que mais de 20.000 burquinabês morreram e mais de 3 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas desde o início da insurgência no país, em 2015.
No ano passado, mais de metade das mortes causadas pela violência dos militantes islâmicos no Sahel ocorreram no Burquina Faso, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos de África.
A violência matou mais de 8.400 burquinabês em 2023, o dobro das mortes do ano anterior, de acordo com o Conselho Norueguês para os Refugiados. No final de 2023, cerca de 2 milhões de civis burquinabês estavam encurralados em 36 cidades cercadas em todo o país, cerca de metade das quais fora do controlo do governo.
Em Setembro, mais de 6.100 burquinabês, muitos deles civis, foram mortos pela violência, de acordo com a análise do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED). A violência é sobretudo intensa nas zonas fronteiriças de cada região, nomeadamente com a Costa do Marfim, o Níger e o Togo.
Um dos ataques mais mortíferos em África nos últimos anos ocorreu em Agosto, quando o grupo Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), afiliado à al-Qaeda, entrou na remota cidade de Barsalogho em motociclos e massacrou cerca de 600 pessoas, incluindo mulheres e crianças, de acordo com um relatório de segurança francês.
“Os ataques mortíferos em grande escala (pelo menos uma centena de mortos) contra as populações civis ou as forças de defesa e de segurança ocorrem há várias semanas a um ritmo que parece insustentável para o governo, que já não tem uma estratégia militar para oferecer e cujo discurso de propaganda parece estar sem fôlego e sem ideias,” refere o relatório.
O grupo Estado Islâmico (EI) também opera no Burquina Faso, mas a JNIM é o grupo terrorista mais activo no país.
A JNIM também tem como alvos as forças de segurança, grupos armados, organizações terroristas rivais e infra-estruturas governamentais, tais como centrais eléctricas e de armazenamento de água. O grupo actua no lugar do governo nas áreas que controla, oferecendo serviços aos habitantes locais, assinando acordos com os líderes locais e recrutando entre a população.
O grupo financia-se através de raptos com pedido de resgate, cobrança de impostos, contrabando de armas e extorsão de traficantes de droga e de seres humanos.
“Eles casaram-se com as populações locais e é difícil para os militares encontrá-los porque se misturam muito rapidamente,” Ulf Laessing, director do programa Sahel, da Fundação Konrad Adenauer da Alemanha, disse à Al Jazeera. “Isso faz parte da frustração do exército do Burquina Faso, não os poder combater.”
Os soldados burquinabês e os mercenários russos também atacam civis. Em Fevereiro, as forças de segurança executaram 223 civis, incluindo pelo menos 56 crianças, em duas aldeias do norte do país, de acordo com a Human Rights Watch (HRW), que relatou que o massacre parecia fazer parte de uma campanha militar contra civis acusados de colaborar com grupos armados.
Tirana Hassan, directora-executiva da HRW, denunciou os assassinatos como “apenas os mais recentes assassinatos em massa de civis pelos militares do Burquina Faso nas suas operações de contra-insurgência.”
“O fracasso repetido das autoridades burquinabês na prevenção e investigação de tais atrocidades sublinha a razão pela qual a assistência internacional é fundamental para apoiar uma investigação credível de possíveis crimes contra a humanidade,” Hassan disse à Al Jazeera.
O líder da Junta, o Capitão Ibrahim Traoré, prometeu regressar à ordem constitucional até este ano, quando assumiu o poder, mas prolongou o período de transição por cinco anos em Junho, invocando questões de segurança.
A violência actual deu origem a graves problemas humanitários. A Comissão Europeia estima que 6,3 milhões de pessoas no Burquina Faso necessitam de assistência humanitária, o que corresponde a 27% da população do país. No entanto, as agências de ajuda humanitária têm tido dificuldade em prestar ajuda nas zonas cercadas.
Devido ao conflito, mais de 2,7 milhões de burquinabês também irão sofrer níveis de crise de insegurança alimentar, de acordo com o Cadre Harmonise de Março de 2024, que analisa a insegurança alimentar e nutricional na África Ocidental e no Sahel.
Além disso, mais de 2 milhões de burquinabês estão deslocados internamente devido à violência, segundo a Comissão Europeia,
“Desde que chegámos, nunca mais saímos,” Howa Mama, uma pessoa deslocada internamente na cidade de Dori, no nordeste do país, disse à Al Jazeera. “É demasiado perigoso regressar a casa. A vida nos campos é demasiado perigosa, a vida no campo é difícil, mas não temos outra alternativa senão sobreviver.”
A situação colocou o Burquina Faso num estado que a especialista em assuntos africanos, Teresa Nogueira Pinto, apelidou de “armadilha do golpe,” ou seja, a possibilidade de um novo golpe de Estado à medida que as questões relacionadas com o golpe original forem proliferando.
Escrevendo para Geopolitical Intelligence Services, Pinto disse acreditar que é provável que as questões humanitárias e a instabilidade política persistam e que os grupos insurgentes continuem a expandir o seu alcance e a bloquear mais áreas.
“Apesar da repressão severa da junta contra qualquer oposição, os numerosos adversários do Presidente Traoré no seio das forças armadas, sobretudo entre os oficiais superiores, juntamente com a violência e a fragmentação generalizadas, tornam concebível um novo golpe de Estado,” escreveu Pinto.