EQUIPA DA ADF
Quando a COVID-19 atingiu o Uganda em Março de 2020, a professora Ocwee Irene Trends soube que ela tinha de tomar medidas drásticas.
O país entrou num confinamento obrigatório rigoroso e encerrou todas as escolas. Ocwee pressentiu que iria passar muito tempo para os seus alunos regressarem.
Como directora da Escola Primária de Hilder, localizada num bairro pobre, em Gulu, no norte do Uganda, Ocwee sabia que os alunos da 7a classe, os seus alunos mais velhos, que tinham entre 13 e 17 anos de idade, estavam em maior risco de desistirem permanentemente.
Por isso, ela trouxe 30 rapazes e raparigas para viverem na casa da sua família, onde ela os dava aulas em casa, gratuitamente.
“Os últimos dois anos foram uma loucura,” disse ela à ADF com um sorriso. “Mas eu gosto de loucura. Eu não sabia o quão frenético seria ter 30 adolescentes.”
O governo não deu financiamento algum. A maior parte dos pais estão na pobreza e não puderam dar qualquer assistência.
“Dos 30 meninos, cinco famílias ofereceram-nos mandioca, feijão e batata-doce,” contou ela numa entrevista na Rádio France Internationale.
O resto orava.
Ocwee e seus alunos estiveram na condição de muitas pessoas que tomaram medidas extremas e resistiram ao fardo pesado de continuar a estudar e a ensinar durante a pandemia.
A princípio, o Ministério de Educação do Uganda deu opções de ensino à distância, com aulas difundidas pela TV, rádio e com material impresso. Mas o financiamento acabou e a educação de cerca de 15 milhões de crianças foi colocada em espera.
Em Agosto de 2021, a Autoridade Nacional de Planeamento (NPA, na sigla inglesa) do Uganda projectou que 4,5 milhões dos alunos provavelmente não irão regressar à escola devido a uma variedade de motivos, incluindo mão-de-obra infantil, gravidez e casamentos.
Em Janeiro de 2022, o Uganda terminou o encerramento das escolas ligado à pandemia mais longo do mundo. Durou 22 meses.
Esta interrupção severa do ensino pode destruir décadas de progresso no Uganda, que, em 1997, se tornou num dos primeiros países africanos a oferecer ensino primário gratuito.
A NPA disse que 3.507 escolas primárias e 832 escolas secundárias a nível nacional provavelmente estariam permanentemente encerradas. Muitas foram encerradas ou convertidas em hotéis ou restaurantes durante o confinamento obrigatório.
Alguns professores mudaram de emprego para ajudar a sustentar as suas famílias.
Mas Ocwee não.
A cerca de 2,5 km da cidade, a machamba da sua família, de 6 hectares, estava diariamente cheia de actividade. Os alunos ajudaram a converter a sua casa de cinco quartos. Um quarto transformou-se em sala de aulas e os outros três transformaram-se em dormitórios para alunos.
O mata-bicho era às 9 horas da manhã. Três aulas por dia eram ensinadas na sala de aulas. Os alunos lavavam a roupa, buscavam água e ajudavam na plantação de amendoim, soja, mandioca e feijão.
À noite, os alunos permaneciam juntos e conversavam sobre os seus pais, o seu dia-a-dia e a sua comunidade.
“Eu dava-lhes tempo para pensar e partilharem os seus sonhos e para se expressarem como se sentem a respeito da condição actual do mundo e da COVID,” disse Ocwee.
Este tipo de perseverança durante a pandemia inspirou a Ministra do Ensino Primário do Uganda, Joyce Moriku Kudacu, que fez o ensino secundário em Gulu.
“Eu não aceito que exista uma geração perdida,” ela disse ao The New York Times. “O que concordo é que existe uma percentagem de nossas raparigas que ficou grávida e de rapazes que entraram na economia de geração de finanças e outros foram fazer outras coisas. Isso não significa que perdemos a geração por completo.”
A Escola Primária de Hilder reabriu e os alunos de Ocwee que estudavam em casa fizeram os seus exames nacionais. Todos os 30 irão frequentar a escola secundária e Hilder classificou-se entre as 20 melhores escolas a nível nacional, em Uganda.
Os alunos foram reconhecidos na rádio. As suas fotografias apareceram em jornais.
“Todos estavam a falar sobre eles,” disse Ocwee. “Foi nessa altura que comecei a perceber o que eu tinha feito.
“Fizemos algo bom.”