EQUIPA DA ADF
A Conselheira Especial das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio alerta para os “crimes de atrocidade” na Etiópia e para o risco de aumento da violência de base étnica.
Alice Wairimu Nderitu enumerou incidentes de assassinatos selectivos de famílias, de violações utilizadas como arma de guerra e de deslocações forçadas de comunidades. Disse que os factores de risco para um genocídio estão presentes no país um ano depois de ter sido assinado um acordo de paz para acabar com a guerra em Tigré.
“O sofrimento de civis inocentes nunca deve ser aceite como inevitável,” disse Nderitu. “Por outro lado, deve reforçar o nosso compromisso de garantir que a impunidade não prevaleça e que todas as acções de prevenção possíveis sejam priorizadas.”
Em declarações à ADF, o Dr. Bizuneh Getachew Yimenu, especialista em federalismo etíope e professor na Universidade de Birmingham, afirmou que os avisos de um genocídio são “um exagero,” mas que está preocupado com a dimensão étnica da violência no país.
“Sempre que há um conflito, as pessoas tendem a criar uma linha de fractura entre o ‘nosso grupo’ e o ‘grupo deles,’” disse. “Então, eles usam essa rotulagem para atacar.”
Persiste Violência noTigré
Na região norte de Tigré, a vida não voltou ao normal após o fim formal das hostilidades, em Novembro de 2022. Nderitu assinalou a presença desestabilizadora de tropas eritreias no país, apesar dos apelos internacionais para a sua retirada. Os civis sobreviventes de ataques referem frequentemente que os seus agressores usam insultos étnicos como “agame” ou “woyane.”
“Os perpetradores manifestaram a intenção de visar um grupo com base na etnia,” afirmou. “Isso inclui descrever os tigrenhos como ‘cancro,’ indicando um desejo de matar homens e crianças ou então de destruir as capacidades reprodutivas das mulheres. Este facto deve fazer soar o alarme de que o risco de genocídio está presente e a aumentar.”
Mais de 10.000 sobreviventes da violência sexual em Tigré procuraram cuidados desde o início do conflito até Julho de 2023. A região tem grandes necessidades humanitárias, sobretudo, depois de o Programa Mundial de Alimentação (PMA) ter suspendido a ajuda, em 2023, quando descobriu o roubo em grande escala de ajuda alimentar por parte de soldados e funcionários do governo. O PMA retomou a distribuição de alimentos às pessoas deslocadas em Outubro.
“Embora a assinatura do acordo possa ter silenciado as armas, não resolveu o conflito,” disse Mohamed Chande Othman, presidente da Comissão Internacional de Peritos de Direitos Humanos na Etiópia.
Outras Regiões em Banho-Maria
Na região de Amhara, os confrontos intensificaram-se nos últimos meses entre membros de uma milícia de etnia Amhara conhecida como Fano e as forças governamentais. Nessa região, os Amharas têm queixas de longa data sobre os direitos à terra e acreditam que têm sido alvo de ataques de base étnica. A cidade histórica de Gondar foi palco de combates intensos a 24 de Setembro, quando membros da Fano atacaram duas prisões para libertar combatentes, tendo as forças governamentais respondido com a morte de 50 militantes.
Em Oromia, a região que circunda a capital federal, um grupo militante étnico conhecido como Exército de Libertação de Oromo (OLA) luta há décadas pelo direito à terra. Na Oromia Ocidental, o grupo tem como alvo as forças governamentais e os agricultores Amhara, que considera intrusos. Num período de oito horas, em Junho de 2022, atacantes suspeitos de pertencerem ao OLA massacraram cerca de 400 civis Amhara em várias aldeias, segundo a Human Rights Watch.
Não há Respostas Fáceis
Bizuneh afirmou que não existe uma solução simples para a violência nestas três regiões. A construção da paz é particularmente difícil, porque grupos militantes como Fano não têm uma hierarquia clara que possa sentar à mesa para negociar a paz. A paz é dificultada quando cada uma das partes faz exigências inegociáveis que não são de arranque para a outra parte.
“Esta situação não pode ser travada de um dia para o outro ou em poucas semanas,” afirmou Bizuneh. “É claro que a segurança deve ser reforçada, mas a segurança do governo não pode vigiar todas as aldeias. Devia haver algum tipo de reconciliação.”
Bizuneh disse que uma acção que pode ajudar é a repressão da retórica etnicamente carregada que prolifera no YouTube. Muitos destes vídeos são criados fora do país e alimentam as chamas do ódio.
“Eles usam as redes sociais e o YouTube para o outro grupo, e as pessoas podem ver isso em qualquer parte do mundo, incluindo numa aldeia etíope,” afirmou. “As pessoas começam a interpretar todas as interacções a nível da aldeia com o que se passa no YouTube.”
Bizuneh aconselhou as pessoas a terem mais cuidado com as palavras que utilizam na internet. “Não creio que haja uma forma de travar esta situação, a não ser que as pessoas comecem a considerar o impacto da sua retórica nas redes sociais no terreno, na Etiópia,” afirmou. “As pessoas deviam repensar as suas acções.”
Numa declaração que acompanha o seu relatório, Nderitu, da ONU, advertiu que os múltiplos conflitos do país correm o risco de transformarem-se em algo maior. Ela exortou o mundo a não ignorar a situação.
“Quando estão presentes indicadores e factores de risco que apontam para a possível prática de crimes mais graves, a região e a comunidade internacional em geral devem trabalhar no sentido de prevenir a sua ocorrência e de atenuar o seu impacto,” afirmou Nderitu. “A violência deve ser travada.”