EQUIPA DA ADF
Larba Mathieu Yougbare inclinou-se parar tentar remexer o solo firme e seco com uma pequena enxada. A frustração era tão evidente no rosto do agricultor quanto as gotas de suor.
Ele regressou para a cidade de Fada no leste do Burquina Faso de mãos vazias.
“A colheita está fraca,” disse ao Comité Internacional da Cruz Vermelha (ICRC) no início deste ano. “Viemos cá porque fomos obrigados a fugir da nossa aldeia. As nossas terras na aldeia são mais férteis do que as daqui.”
Yougbare recebeu um pequeno terreno para trabalhar próximo de Fada, mas os seus esforços produziram pouca recompensa.
A fome persegue os refugiados numa das partes mais afectadas pela violência no mundo.
Ele é um dos 1,8 milhões de burquinabês, aproximadamente 10% da população, que fugiram das suas casas em busca de segurança. Assim como 80% da população do país, Yougbare depende da agricultura para a sua subsistência.
Da mesma forma que engoliu a região do Sahel, a insurgência aparentemente intratável invadiu o Burquina Faso. Vastas faixas de terra continuam fora do controlo do governo.
O Sahel é exemplo de como a insegurança alimentar aumentou drasticamente em toda a África.
Os especialistas afirmam que o terrorismo e a guerra são as causas predominantes.
“A violência no Sahel não está apenas a impulsionar a crise alimentar, em muitos lugares está a instigá-la,” Director do ICRC para África, Patrick Youssef, referiu num comunicado. “A situação é crítica e o período de escassez [pós-colheita] pode significar uma catástrofe se esforços concertados não forem feitos para ajudar milhares de pessoas afectadas.”
Cerca de 346 milhões de pessoas no continente africano enfrentam insegurança alimentar grave, de acordo com a avaliação das Nações Unidas, feita em Maio.
“Os mais afectados são países que se encontram em conflito armado,” disse Youssef.
Existem muitas causas principais da fome em África: a pobreza, a pandemia da COVID-19, a perda de serviços básicos e a guerra da Rússia contra a Ucrânia, na região do leste da Europa conhecida como “o cesto de pão do mundo.”
Mas a deterioração da segurança encontra-se no topo da lista. Na verdade, mapas que destacam as regiões que estão a lidar com fome severa são semelhantes aos mapas de regiões com conflitos armados activos.
Na sua previsão conjunta publicada, de Outubro de 2022 a Janeiro de 2023, a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura e o Programa Mundial de Alimentação (PMA) soaram o alarme.
“A violência organizada e o conflito armado continuam a ser os impulsionadores primários de insegurança alimentar grave em muitas regiões e na maioria das bolsas de fome,” argumentam. “Isso reflecte uma tendência global onde o conflito continua a afectar a maior parte da população que enfrenta a insegurança alimentar grave.
“As principais tendências indicam que os níveis de conflito e violência contra civis aumentaram de forma contínua em 2022.”
Encontrando-se já numa situação frágil, os deslocados estão extremamente vulneráveis a choques alimentares. Muitas vezes, famílias e comunidades inteiras que fogem da violência dependem da ajuda humanitária para sobreviver.
Milhares de pessoas encontram-se presas em regiões onde as organizações de ajuda humanitária não podem chegar por causa da insegurança.
No Burquina Faso, o ICRC comunicou situações delicadas nas vilas de Djibo, Kelbo, Madjoari, Mansila e Pama.
“Confinadas a espaços cada vez mais apertados e incapazes de fugir, essas pessoas estão a enfrentar uma grande crise alimentar sozinhas,” disse a organização.
A ONU e o PMA alistaram Etiópia, Nigéria, Somália e Sudão do Sul nos níveis de alerta máximo da escala de Classificação Integrada de Fases de Insegurança Alimentar (IPC), argumentando que “todos eles têm populações que enfrentam ou se projecta que enfrentem a fome.”
A escala da IPC de 1 a 5 varia de mínima para acentuada, passando por crise, emergência e catástrofe.
Os países africanos compõem 11 das 19 “bolsas de fome” mundiais alistadas na previsão trimestral da FAO/PMA.
Mais de 70% das populações africanas que enfrentavam níveis de crise ou piores (níveis 3-5) de insegurança alimentar, em 2021, viviam em países afectados por conflitos, de acordo com os dados da IPC.
Esses números aumentaram em 22% em 2022.
Os quatro países africanos no nível 5, ou na fase de catástrofe, estão arrasados pela violência.
A guerra civil da Etiópia, com a sua região de Tigré, consitui o conflito mais sangrento do mundo dos últimos dois anos. Partes da Nigéria continuam afectadas por múltiplos grupos terroristas e bandidismo desenfreado. O Sudão do Sul é assolado por violência intercomunitária. A Somália esteve em guerra com uma insurgência ligada ao al-Qaeda durante mais de uma década.
O Sahel é um outro grande foco em temos de terrorismo e insegurança alimentar.
Na região de fronteira tríplice de Liptako-Gourma, o ICRC comunicou que “80% de terras cultiváveis foram perdidas em mais de 100 aldeias, quando as culturas foram destruídas e as populações obrigadas a fugir.
“A nossa monitoria pós-colheita nas províncias de Yatenga e Loroum, no Burquina Faso, demonstraram perdas de culturas de até 90%.”
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, fez um apelo urgente para a tomada de medidas em relação à crise interligada durante uma reunião do Conselho de Segurança, em Maio.
“Quando se está em guerra, a população passa fome,” disse. “Que não haja dúvidas: quando este conselho debate o conflito, vocês debatem a fome.
“Quando vocês tomam decisões sobre a manutenção da paz e de missões políticas, vocês estão a tomar decisões sobre a fome. E quando vocês não conseguem alcançar um consenso, pessoas famintas pagam um alto preço.”