EQUIPA DA ADF
Mais de 542.000 pessoas deslocadas internamente (PDI), na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, devastada pelo conflito, enfrentam condições humanitárias terríveis no meio de uma insurgência que dura desde 2017.
De acordo com o relatório do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), muitos deslocados internos têm acesso limitado a alimentos, abrigo, água, saneamento, saúde e educação. Além disso, têm dificuldades em encontrar trabalho e correm um maior risco de contrair surtos de doenças e violência baseada no género. Cerca de 55% destas pessoas são acolhidas por populações locais, enquanto as restantes vivem em 190 campos de deslocados.
Em Pemba, onde vivem cerca de 132.000 deslocados internos, o número de jovens desempregados e de mendigos está a aumentar. As mulheres e as raparigas estão envolvidas no trabalho sexual, frequentemente em campos de deslocados.
O chefe de um centro de deslocados internos contou aos investigadores do Centro de Integridade Pública de Moçambique sobre uma rapariga deslocada de 16 anos que se prostituiu para poder pagar as necessidades básicas.
“Ela envolvia-se com vários homens para poder comprar sabão,” disse o chefe.
As dificuldades enfrentadas pelos deslocados internos tornam-nos vulneráveis à radicalização por parte de organizações extremistas violentas, que exploram as suas queixas e marginalização com ofertas de segurança e sustento, segundo o ISS.
Como o governo de Moçambique ainda não tem um plano para apoiar os deslocados internos, as Nações Unidas e outras agências humanitárias internacionais fornecem todos os seus bens e serviços essenciais.
O ISS defende que as autoridades moçambicanas fariam bem em aprender como outras nações africanas lidaram eficazmente com um grande número de deslocados internos e jovens subempregados.
A cidade de Koboko, no norte do Uganda, por exemplo, acolhe milhares de refugiados do leste da República Democrática do Congo e do Sudão do Sul.
Em Maio, o Edil de Koboko, Wilson Sanya, disse aos delegados do seminário da Rede de Cidades Fortes, na Tanzânia, que a cidade considerava os refugiados como uma força de trabalho para ajudar a desenvolver a cidade e que lhes era ensinado Inglês para os ajudar a conseguir empregos locais.
Pemba conta com alguns programas isolados de formação profissional para jovens, mas estes não garantem que as pessoas mais vulneráveis sejam seleccionadas ou que os que são formados satisfaçam as necessidades dos empregadores locais, de acordo com o ISS.
Um programa gerido pelo governo local e financiado pela TotalEnergies formou milhares de jovens de Cabo Delgado em electricidade, construção, serralharia e mecânica, mas a formação não se baseia nas necessidades do mercado nem está ligada a planos de desenvolvimento e emprego, pelo que milhares de formados continuam sem emprego.
No seminário da Rede de Cidades Fortes, Mahmoud Noor, fundador da Swahilipot Hub Foundation, que apoia Mombaça, no Quénia, explicou que o programa de formação de jovens da fundação trabalha com empresas para determinar as suas necessidades e, em seguida, forma jovens para as satisfazer.
Os deslocados internos de Cabo Delgado também enfrentam uma redução crítica da ajuda humanitária, uma situação agravada pelos terroristas.
Em Maio, combatentes do al-Shabaab, alguns com apenas 13 anos, invadiram Macomia, onde se encontra a terceira maior população de deslocados internos de Cabo Delgado. Roubaram alimentos de várias lojas e armazéns de grupos humanitários e transportaram-nos em 15 veículos.
Uma testemunha, Abu Rachide, disse à Human Rights Watch que os combatentes disseram aos residentes para não terem medo, pois “tinham vindo apenas pela comida.”
“Eu e a minha irmã decidimos fugir na mesma, porque não queríamos correr riscos, mas muitas pessoas ficaram para trás,” disse Rachide. Não foram registadas vítimas, mas vários trabalhadores humanitários foram raptados.
O Programa Mundial de Alimentação (PMA) e a organização Médicos Sem Fronteiras, que cooperam com as comunidades moçambicanas desde 1984, suspenderam as suas actividades em Macomia após o ataque.
Os deslocados internos de Cabo Delgado já estavam a enfrentar uma redução do apoio do PMA antes do ataque a Macomia. Durante o ciclo de assistência alimentar de Janeiro a Fevereiro de 2024, o PMA ajudou cerca de 460.000 pessoas na província, contra mais de 750.000 no ciclo de Novembro a Dezembro de 2023, segundo o ISS.
Em Maio, o número tinha diminuído para 136.371. As previsões actuais para 2024 mostram que o PMA enfrenta um défice de 76% para os seus esforços em Moçambique.
Os investigadores do ISS, Borges Nhamirree Isel Ras, argumentaram que ataques como o de Macomia sublinham a necessidade de Moçambique ter um plano do governo central devidamente estudado e dotado de recursos para responder às preocupações dos deslocados internos.
“Esta responsabilidade não pode ser entregue a organizações humanitárias cujas operações podem ser abruptamente interrompidas por ameaças de violência, ataques ou falta de financiamento,” escreveram. “A resposta às necessidades das PDI exige um compromisso político e uma acção coordenada para assegurar a integração, a redução dos conflitos e a resistência contra o extremismo violento.”