EQUIPA DA ADF
Quando um pastor de uma igreja cristã caminhava na sua machamba, nos arredores da aldeia de Nova Zambézia, na província de Cabo Delgado, em Moçambique, no dia 15 de Dezembro, insurgentes surpreenderam-no a ele e a sua esposa. Ele foi interpelado, morto e decapitado pelos terroristas.
Depois disso, eles entregaram a sua cabeça à esposa. Ordenaram que a transportasse para a polícia da aldeia com uma mensagem: “Enquanto vocês caminham em estradas asfaltadas, os verdadeiros homens estão nas matas,” de acordo com uma fonte daquela região.
A mulher chegou ao Comando Distrital da Polícia da República de Moçambique transportando a cabeça do seu marido numa sacola, de acordo com o site de notícias digital moçambicano, Carta de Moçambique.
A mensagem dos extremistas serve dois propósitos, de acordo com uma reportagem do site da internet, Cabo Ligado, um observatório do conflito que faz a monitoria da violência política em Moçambique. Primeiro, destaca a confiança dos insurgentes na sua capacidade de permanecerem naquela área, que é supervisionada pela Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM, na sigla inglesa).
“Segundo, o conteúdo da mensagem chama a atenção do principal problema táctico enfrentado pelas forças moçambicanas e aliados na vasta maioria do conflito: a sua capacidade de operar é severamente restringida quando saem das estradas principais, porque o seu equipamento e a sua formação estão edificados em torno da capacidade do seu armamento em vez de sua infantaria ou ataque aéreo,” disse o relatório.
A mensagem parece estar a validar uma crítica da resposta militar multinacional para os extremistas: Moçambique e seus aliados regionais não dedicaram recursos suficientes para esmagar os insurgentes de uma vez por todas.
Nova Zambézia localiza-se no distrito de Macomia, que foi um ponto de frequentes confrontos entre as forças governamentais e os extremistas nas semanas que levaram aos terríveis ataques de Dezembro.
Na verdade, a violência foi implacável na região. Os insurgentes ocuparam a cidade próxima de Macomia, no dia 28 de Maio de 2020, destruindo os serviços públicos, o Administrador do Distrito, Tomás Badae, disse à Rádio Moçambique em Março de 2021, de acordo com a Agência de Informação de Moçambique (AIM). Conforme disse Badae, apenas 2.300 dos 16.425 habitantes da cidade regressaram.
Menos de um mês depois do assassinato brutal do pastor, os líderes da África Austral reuniram-se em Lilongwe, Malawi, para planificar o futuro da resposta militar da SAMIM em antecipação do término do seu mandato no dia 15 de Janeiro. Os líderes aprovaram uma prorrogação do mandato, embora o seu comunicado após a cimeira de dois dias não tenha especificado um horizonte temporal.
O jornal Daily Maverick, da África do Sul, comunicou que as autoridades afirmaram que a missão iria continuar mais três meses nos níveis actuais, que possuem algumas centenas de tropas das forças especiais. Os líderes dizem que depois de três meses, o mandato da SAMIM iria durar mais três meses e posteriormente iria trazer forças adicionais de infantaria e outros reforços para ajudar as forças especiais.
“Hoje demos um passo firme e decisivo de prorrogar a Missão de Moçambique para que sejamos capazes de consolidar e manter os ganhos que fizemos até agora,” presidente malawiano, Lazarus Chakwera, que preside a SADC, disse depois da cimeira. “Até que a vitória e a paz sejam garantidas, não iremos ceder, não iremos retroceder e não iremos recuar.
“Temos de concluir a tarefa e permitir que a República de Moçambique persiga as suas aspirações de desenvolvimento, conforme achar melhor.”
A SAMIM é composta por tropas de oito países: Angola, Botswana, República Democrática do Congo (RDC), Lesoto, Malawi, África do Sul, Tanzânia e Zâmbia. As forças da SAMIM trabalham lado a lado com as forças moçambicanas e ruandesas, que são destacadas em separado.
O Daily Maverick comunica que as tropas das forças especiais de Botswana, Lesotho, Africa dos Sul e Tanzânia têm estado a fazer muito para a luta. Angola, RDC, Malawi e Zâmbia contribuem maioritariamente com apoio logístico.
O apoio da infantaria para as poucas centenas de forças especiais que estão em serviço actualmente, assim como “os vários helicópteros de ataque e de transporte e outro apoio aéreo e naval” ainda não foi materializado, noticiou o Daily Maverick no dia 11 de Janeiro.
Os helicópteros Oryx, da Força Aérea da África do Sul, fornecem a maior parte da capacidade de transporte aéreo. Os dois helicópteros estão sobrecarregados e estão a “lutar para fornecer reforços para as forças que ficam sob ataque por causa das muitas outras atribuições num número crescente de confrontos com os inimigos,” reporta o Daily Maverick.
Apenas quatro dias depois de assassinar o pastor na aldeia da Nova Zambézia, os insurgentes fizeram uma emboscada contra um contingente sul-africano da SAMIM na floresta no norte do distrito de Macomia, alvejando um soldado da Força Nacional de Defesa da África do Sul até à morte. Foi a primeira vez em 32 anos que um soldado das forças especiais sul-africanas foi morto em combate, de acordo com um artigo do Cabo Ligado.
Desde meados de Janeiro, as autoridades tinham registado 11 baixas da SAMIM, de acordo com uma fonte.
O antigo embaixador sul-africano, Welile Nhlapo, disse num webinar organizado pela organização da sociedade civil, denominada Southern African Liaison Office, que a intervenção da SAMIM pode estar a enfrentar mais desafios do que os líderes estão dispostos a admitir, de acordo com o jornal sul-africano, Business Day.
“Se estamos a financiar estes esforços, será que são sustentáveis? Dado que não temos uma fase terminal, como iremos fazer uma avaliação para dizer que agora chegamos a um ponto em que derrotamos esses insurgentes?,” questionou Nhlapo.
“Não é possível lutar numa guerra convencional contra uma ofensiva terrorista assimétrica,” disse.
De acordo com o Daily Maverick, o Director do African Defence Review, Darren Olivier, alertou que as forças da SAMIM são compostas por soldados “extremamente capazes,” mas a esse número muito pequeno exige-se que cubra uma área muito vasta e consiga manter taxas de baixas muito menores e evitar falhas da missão por muito tempo.
“Os dois únicos helicópteros de transporte Oryx para apoiar 300 a 400 tropas destacadas para uma área enorme e, pior ainda, possuem veículos de mobilidade limitada como resultado do terreno difícil da região,” disse Olivier. “Isso significou que a maior parte dos eventos, acções, patrulhas e actividades semelhantes tiveram de ser feitas a pé e sem apoio aéreo ou de armamento pesado, deixando as tropas vulneráveis.
“Mas o facto de não ter havido muitas baixas atesta a qualidade das tropas, mas elas estão a ser cada vez mais apertadas e pressionadas a ponto de ficarem exaustas,” disse. “Erros inevitavelmente começam a aparecer e mesmo as melhores tropas possuem os seus limites.”
Os líderes da SADC devem repensar a missão e reforçar os recursos, acrescentando tropas, armamento pesado e apoio de transporte aéreo ou terminar o combate activo, disse. “As guerras não podem ser lutadas de forma barata sem que haja consequências graves mais cedo ou mais tarde.”
EM TERMOS NUMÉRICOS
A violência em Cabo Delgado: Outubro de 2017 a 16 de Janeiro de 2022
- Número total de eventos de violência política organizada: 1.122
- Número total de baixas registadas em eventos de violência política organizada: 3.640
- Número total de baixas registadas em eventos de violência política organizada contra civis: 1.591
Fonte: Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Evento