Muito depois do início da luta pelo controlo de Trípoli, em 2019, as facções rivais da Líbia continuaram a depender de combatentes estrangeiros. Os analistas dizem que, embora estes combatentes não sejam muito visíveis, a sua presença contínua atrasa a reconciliação e a unificação do país.O Marechal Khalifa Haftar, líder do Exército Nacional Líbio baseado em Benghazi, conta com as forças paramilitares russas para apoio e protecção. Haftar está empenhado na tomada de Trípoli,
onde está sediado o Governo de Acordo Nacional (GAN) do país, reconhecido internacionalmente.A Turquia apoia e protege o GAN, tendo também destacado combatentes sírios em torno da capital nacional.“Ambas as partes pagam aos seus apoiantes estrangeiros pela sua assistência, o que lhes permite construir uma
presença permanente na Líbia a baixo custo,” escreveu o investigador Wolfram Lacher, da Science and
Politics Foundation (SWP), no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.
Isso beneficia a Rússia e a Turquia, que querem assegurar uma posição estratégica na Líbia.
Forças Estrangeiras Menos Visíveis
De acordo com Lacher, os civis líbios têm sido historicamente avessos à presença de tropas estrangeiras. Não acalmou os ânimos quando as forças russas aterrorizaram Sirte pouco depois do cessar-fogo, bombardeando uma zona residencial e ocupando casas de civis.
Num bairro do sul de Misrata, os combatentes sírios também ocuparam as casas das pessoas deslocadas,
alimentando as tensões com os vizinhos.
Lacher, que visitou a Líbia várias vezes desde o cessar-fogo, relata agora que, embora as forças russas, sírias e turcas permaneçam na Líbia, a sua presença tem vindo a tornar-se gradualmente menos visível.
Em Sirte, as forças russas deslocaram-se em 2021 das zonas que ocupavam para uma base aérea em Qardhabiya. Em
Sirte e Jufra, os mercenários russos, muitas vezes, apareciam em lojas e restaurantes,
por vezes com armas. Mas essas excursões tornaram-se muito menos frequentes. Os residentes dizem que é ainda menos comum ver os combatentes fora das suas bases em Brak e Tamanhant.
“Nas raras ocasiões em que aparecem em público, agora vestem invariavelmente roupas civis, sinalizando que estão no seu dia de folga,” escreveu Lacher num relatório do SWP.
A presença militar turca formal limita-se a algumas bases militares entre Misrata e
a fronteira tunisina. Actualmente, é “extremamente raro” ver militares turcos fora das suas bases, escreveu Lacher.
Tudo isso sugere a Lacher que as forças estrangeiras estão a receber ordens para limitar as suas interacções
com os habitantes locais para tentar obter aceitação.
‘Conspícuo e Sedento de Poder’
Dos três países, a Rússia é “o actor mais visível e mais ávido de poder, posicionado na
fronteira da Líbia,” segundo Karim Mezran, do Conselho Atlântico. O Kremlin também está interessado em
espalhar uma nova forma de “colonialismo russo,” informou o Royal United Services Institute este
ano.
A Líbia é um centro para os destacamentos paramilitares russos na África Subsariana e possivelmente para
projecção de poder marítimo no Mediterrâneo. “Para atingir esses objectivos, manter um perfil discreto parece ser a abordagem correcta,” escreveu Lacher.
Segundo Lacher, o Kremlin ganhou um pouco de aceitação, mas o medo da repressão por parte das
forças de Haftar limitam efectivamente a oposição aberta à presença da Rússia. O mesmo é válido para
os residentes dos arredores de Trípoli que, em tempos, se manifestaram contra a presença das forças sírias e turcas.
De acordo com Gregory Aftandilian, membro não residente do Centro Árabe de Washington DC,
a presença contínua de forças estrangeiras — e o envolvimento de outros países nos assuntos da Líbia
— torna mais difícil a realização de eleições nacionais há muito esperadas.
“O envolvimento destes países estrangeiros dificulta o trabalho dos líbios que querem que uma
solução genuína para a crise da líbia prevaleça,” escreveu Aftandilian. “Se um governo de unidade se for a
manifestar, essas forças estrangeiras serão, sem dúvida, objecto de um maior escrutínio e enfrentarão
pressão política para sair. Assim, a presença destas forças estrangeiras contribui para perpetuar as
divisões políticas do país.”
A obstinação dos governos rivais da Líbia também agrava o impasse político do país,
dificulta os planos para a realização de eleições e corre o risco de agravar a instabilidade, Abdoulaye Bathily, chefe da
Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL), disse ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
Apesar dos esforços redobrados de empenho para ajudar as partes interessadas da Líbia a resolver questões controversas
referentes às leis eleitorais e à formação de um governo unificado, Bathily afirmou, num relatório da ONU, que se deparou com “uma resistência obstinada, expectativas irracionais e indiferença em relação aos interesses do povo líbio.”