EQUIPA DA ADF
O som dos tiros e das explosões que abalam a terra é ouvido e sentido regularmente em Tombuctu, a cidade do norte do Mali que foi outrora um centro movimentado para turistas internacionais, atraídos pelas suas mesquitas e mausoléus históricos.
Os meses de violência no local levaram Alan Kasujja, apresentador do podcast Africa Daily, da BBC, a descrever Tombuctu como uma “cidade sitiada” em Agosto.
Tombuctu vive mais de uma década de guerra depois de uma insurgência em 2012 liderada por rebeldes Tuaregues. Durante quase um ano, a cidade foi controlada por grupos extremistas que impuseram uma lei religiosa rigorosa e destruíram muitos dos locais históricos da cidade.
Um homem que falou sob anonimato à BBC disse que Tombuctu é a sua cidade natal, mas que os combates quase ininterruptos o persuadiram a sair. “Tornou-se uma cidade onde se ouvem tiros a toda a hora ou foguetes a cair na cidade a toda a hora,” disse o homem à BBC. “Mesmo para viajar para um outro local, a estrada não é segura. A esperança era o barco, e o barco foi atingido. A vida agora é muito miserável.”
O homem refere-se a um ataque a um barco de passageiros, perpetrado pela organização Jama’at Nusrat al-Islam wal Muslimin (JNIM), ligada à al-Qaeda, no rio Níger, em Setembro. O ataque matou 49 civis, 15 soldados malianos e dezenas de combatentes da JNIM.
A JNIM tenta bloquear completamente o comércio em Tombuctu desde meados de Agosto.
“Dezenas de camiões carregados de alimentos e bens costumavam chegar diariamente à cidade, mas agora, depois do cerco, nada chega,” Omar Sidi Muhammad, um jornalista local, disse à BBC.
O preço de produtos alimentares que costumavam chegar a Tombuctu vindos da Mauritânia e da Argélia duplicou, disse Muhammad, acrescentando que produtos como o açúcar, a farinha, o óleo e o leite em pó para bebés foram todos afectados.
“Há escassez de combustível e o seu preço aumentou 80%,” afirmou.
A estratégia da JNIM em Tombuctu é semelhante à que está a utilizar em Gao, a maior cidade do norte do Mali, a cerca de 320 quilómetros a leste de Tombuctu. Devido aos bloqueios da JNIM, a falta de combustível dificulta agora o fornecimento de electricidade à cidade, o que significa que as casas recebem energia durante cerca de uma hora por dia. O comércio com a Argélia e o Níger está bloqueado e os comerciantes estão a abandonar o país.
“As pessoas têm medo por causa da guerra,” disse um homem em Gao, sob anonimato, à BBC. “Não estão satisfeitos com o aumento dos preços dos alimentos. Muitas famílias abandonaram a cidade.”
Para além da JNIM, o grupo do Estado Islâmico (EI) também opera na região, assim como antigos rebeldes, milícias, grupos de autodefesa e forças do Mali e seus aliados, incluindo o Grupo Wagner da Rússia, todos com “objectivos e agendas diferentes,” Héni Nsaibia, investigador sénior do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED), disse à BBC.
De acordo com o ACLED, a violência contra civis malianos aumentou quase 40% este ano em comparação com o ano passado. A violência coincide com a retirada progressiva das tropas da Missão Multidimensional de Estabilização das Nações Unidas no Mali (MINUSMA). Prevê-se que o pessoal da MINUSMA, num total de quase 13.000 pessoas, abandone o país até 31 de Dezembro.
“A retirada das forças internacionais alterou mais radicalmente o cenário do conflito no Mali,” a começar pela retirada das tropas francesas em 2022, disse Nsaibia à BBC. A retirada da MINUSMA, disse, “aumenta os riscos de uma guerra civil mais generalizada no Mali e de uma escalada do conflito na região.”
Nsaibia disse que a retirada da MINUSAMA, ordenada pela junta no poder, também põe em risco um frágil acordo de paz assinado em 2015 entre o governo maliano e os antigos rebeldes Tuaregues no norte do Mali.
O país ficou ainda mais desestabilizado desde que as forças do Grupo Wagner entraram no Mali, em Dezembro de 2021, após a saída das tropas francesas. O grupo tem como alvo civis durante ataques nas regiões de Mopti, Koulikoro, Segou e Tombuctu , onde centenas de civis morreram. Entre estes, conta-se o massacre de mais de 500 civis em Moura, na região de Mopti, em Março de 2022.
No total, 71% do envolvimento do Grupo Wagner na violência política no Mali assumiu a forma de ataques contra civis, segundo o ACLED. Estima-se que cerca de 1.000 a 1.500 combatentes do Grupo Wagner operam actualmente no centro e no norte do Mali.
O Grupo Wagner “introduziu tácticas que nunca vimos serem utilizadas por qualquer outra força do governo do Mali,” disse Nsaibia à BBC. “Estas incluem armadilhas, ejecção de prisioneiros de aviões, especialmente de helicópteros. Capturam os suspeitos e atiram-nos de helicópteros em pleno voo.”