EQUIPA DA ADF
Apesar de meses de discussões que visam o regresso do governo do Sudão ao controlo civil, depois do golpe de Estado militar, de Outubro de 2021, os cidadãos sudaneses continuam cépticos que alguma coisa irá mudar em breve.
“A vasta maioria da população sudanesa, particularmente nas ruas, tem pouca ou nenhuma confiança no exército e em outros actores do processo político,” Hamid Khalafallah, um pesquisador não residente do Instituto Tahrir de Política do Médio Oriente (TIMEP, na sigla inglesa), disse à ADF num e-mail.
Esta falta de confiança foi por uma razão justa, disse Khalafallah, porque a transição está a ser dirigida pelos mesmos homens — General Abdelfattah al-Burhan e General Mohamed Hamdan Dagalo (amplamente conhecido como Hemedti) — que dirigiram o golpe de Estado de 2021. A transição, até agora, fez pouco para mudar os poderes pré-golpe dos generais, acrescentou.
“Não existem garantias de que eles irão cumprir o novo acordo e não irão planificar outro golpe de Estado no futuro,” disse Khalafallah.
Dado que os grupos que fazem parte da negociação do novo acordo de transição têm pouco apoio popular, o acordo final provavelmente não venha a ter muito apoio popular, acrescentou.
“O novo governo irá enfrentar um problema sério de legitimidade,” disse Khalafallah.
Pouco depois do golpe de Estado de 2021, al-Burhan e Hemedti perceberam que não eram capazes de governar o país, disse Khalafallah ao The Africa Report.
O golpe de Estado fez com que os doadores internacionais suspendessem bilhões de dólares de que o orçamento anual do país dependia. A derrocada económica que se seguiu acrescentou as dificuldades já criadas pela inflação pós-pandemia e carências de produtos alimentares causadas pela invasão da Rússia à Ucrânia.
Desde o golpe de Estado, manifestantes saíram para as ruas de Cartum para protestar contra a junta. As forças de segurança mataram pelo menos 100 protestantes desde Outubro de 2021. Centenas de outros foram dados como desaparecidos, foram detidos e agredidos pelas forças de segurança, de acordo com a Human Rights Watch.
Os grupos que fazem parte das negociações da transição não cumpriram o seu prazo de 1 de Abril, planificado para a assinatura do acordo, uma vez que al-Burhan e Hemedti não tinham chegado ao seu próprio acordo de integrar as Forças de Apoio Rápido (RSF) de Hemedti nas Forças Armadas do Sudão (SAF) geridas por al-Burhan.
As RSF e Hemedti desenvolveram ligações militares e económicas próximas com a Rússia e o seu grupo de mercenários do Grupo Wagner. As RSF e o Grupo Wagner operam minas de ouro que bombeiam dinheiro para os bolsos de Hemedti e os que estão próximos dele e também financiam a invasão da Rússia à Ucrânia.
“Quanto mais capacitadas são as RSF pela Rússia e outros actores, mais elas irão agir como desencorajadores da transição democrática no Sudão e da segurança em toda a região,” disse Khalafallah à ADF.
Em paralelo com as alianças económicas e militares das RSF, as SAF possuem as suas próprias ligações profundas em toda a economia do Sudão. Tudo, desde campos agrícolas, a campos de petróleo até ao fabrico de armas, bombeia dinheiro de volta para o exército sudanês, fazendo com que este seja financeira e politicamente independente do governo civil.
Os interesses económicos das SAF e das RSF significam que os homens que as lideram têm a menor probabilidade de inspirar confiança do público, de acordo com Ahmed Ismat, um porta-voz do Comité de Resistência de Cartum. Aqueles homens também têm as mãos sujas de sangue dos protestantes, acrescentou.
“As pessoas estão a protestar contra a formação de um novo governo e irão continuar a fazê-lo enquanto al-Burhan e … [Hemedti] estiveram envolvidos no processo,” disse Ismat ao The Africa Report.
O golpe de Estado de 2021 ocorreu numa altura em que os parceiros civis do Conselho de Soberania estavam para assumir o poder com uma promessa de investigar o extensivo alcance do exército em todos os cantos da economia do Sudão.
O Conselho de Soberania foi criado depois da deposição do antigo ditador Omar al-Bashir e é composto por líderes militares e civis. Depois de liderar o conselho durante a primeira metade dos 36 meses de vigência planificados, al-Burhan prendeu os líderes civis antes de eles poderem assumir o poder.
Khalafallah espera que pouco mude durante o governo de transição.
“As SAF e as RSF certamente não irão aceitar a supervisão civil das suas instituições e não estão sequer a tentar esconder isso,” disse à ADF. “Em várias ocasiões, os líderes militares destacaram que não irão aceitar o governo civil sobre o militar, a menos que seja um governo eleito. O governo de transição não será eleito.”
Dada a não popularidade do acordo de transição do Sudão, a incerteza à volta do governo civil do seu exército e das tensões entre as SAF e as RSF, o caminho do Sudão para a democracia pode ser longo e pedregoso, disse Khalafallah à ADF.
“A transição do Sudão irá certamente enfrentar dificuldades nos próximos meses e até anos,” acrescentou. “Todos esses factores irão afectar a estabilidade da transição do país, a menos que sejam resolvidos de forma adequada pelos civis e pela comunidade internacional.”