EQUIPA DA ADF
O surto da COVID-19 fez com que a China acelerasse os seus esforços de propaganda de aproximadamente 14 anos em África, aumentando os temas pró-China na imprensa do continente, enquanto tenta desviar a culpa pela pandemia, concluíram os investigadores.
Em toda a África, a China está a utilizar os seus canais de redes sociais, a televisão e jornais que possui bem como as ligações diplomáticas para difundir desinformação sobre a doença, amplificar as histórias pró-China e reprimir cobertura negativa.
Um inquérito envolvendo sindicatos de jornalistas de 50 países, feito pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), concluiu que mais de metade afirmara que as coberturas de notícia da China na sua imprensa nacional aumentaram mais positivamente durante a pandemia, enquanto aproximadamente 20% afirmaram que a embaixada chinesa ou o embaixador fizeram comentários frequentes sobre a cobertura da imprensa local. Oitenta por cento afirmou que estava preocupado com a desinformação na sua imprensa nacional.
“As conclusões revelam uma activação de infra-estruturas jornalísticas existentes que a China colocou em vigor a nível global,” anunciou a FIJ. “Quando a pandemia começava a propagar-se, Pequim utilizou a sua infra-estrutura de media, a nível global, para semear narrativas positivas sobre a China na imprensa nacional, assim como mobilizar mais tácticas novas como a desinformação.”
A Narrativa da Amizade Mútua
A China construiu o seu sistema de propaganda africana com base na ideia de que a China e os países africanos possuem experiências pós-coloniais comuns. Apesar do rápido crescimento económico da China nas passadas duas décadas, a maior parte da sua mensagem em África ainda gira em torno das dificuldades dos países em vias de desenvolvimento.
“As autoridades chinesas criaram uma literatura muito interessante de história sino-africana para destacar questões que falam sobre partilha de dificuldades coloniais, particularmente quando eles ajudam a descrever a China como um amigo e apoiante dos movimentos de libertação africanos,” Dani Madrid-Morales, um professor assistente da Universidade de Houston, nos EUA, disse à ADF. Ele fez um trabalho extensivo sobre a estratégia de mensagens da China em África.
Amplificando a história sino-africana, recuando para um passado dos exploradores chineses no século XV, a China visa produzir afirmações de que as suas acções no continente remontam do neocolonialismo, de acordo com o investigador Bjørnar Sverdrup-Thygeson, num artigo publicado pelo jornal, International Politics.
Ao mesmo tempo, a China utiliza mensagens de partilha de dificuldades para conseguir diminuir a influência dos Estados Unidos e da Europa sobre o continente, acrescentou Sverdrup-Thygeson.
A mensagem de partilha de dificuldades é usada com mais frequência nas redes sociais do que na imprensa convencional, disse Madrid-Morales. A embaixada chinesa na Tanzânia é um exemplo de como os diplomatas chineses evocam esta narrativa no Twitter na esperança de criar ligações, disse.
No 60º aniversário da independência de Tanganyika, por exemplo, a embaixada publicou uma mensagem no Twitter de felicitação do embaixador juntamente com imagens de Mao Zedong e Xi Jinping, a saudarem os líderes daquele país, hoje conhecido como Tanzânia.
Só existe um problema com a tentativa da China de criar as suas narrativas de partilha de dificuldades com África: “A maior parte dos africanos não vêem esta história comum,” disse Madrid-Morales.
Contra Narrativa da COVID-19
Desde o surto da COVID-19, as autoridades chinesas tornaram-se utilizadores prolíficos do Facebook e do Twitter, embora ambas as plataformas de redes sociais tenham sido banidas no seu próprio país. No programa “Wolf Warrior” da China, o número de contas de diplomatas chineses nas duas plataformas aumentou em mais do que o triplo, de 75 no início de 2019 para mais de 265 até finais de 2021.
A agência The Associated Press concluiu que os diplomatas chineses, incluindo aqueles que estão em África, utilizam estas contas para gerar desinformação sobre a COVID-19. Eles difundem teorias de conspiração e questionam os esforços internacionais para controlar o surto. Também recebem ajuda da maquinaria de desinformação da Rússia, de acordo com o The Associated Press.
“A China pediu que a Rússia emprestasse algumas ferramentas, mas as utilizou para outros fins, desinfectar o seu próprio registo e divulgar teorias de conspiração a nível global,” Edward Lucas, co-autor do relatório sobre a Propaganda Chinesa e Russa, feito pelo Centro Europeu de Análise de Políticas, disse à Radio Free Europe/Radio Liberty.
Em 2020, o Twitter anunciou que removeu 23.750 contas chinesas que descreveu como sendo “altamente envolvidas” na propagação de desinformação relacionada com a pandemia. Outras 150.000 contas foram removidas por amplificar esta desinformação. As campanhas da China para controlar a narrativa incluem Xinhua, a sua agência central de notícias, que fez parceria com canais de media africanos em Gana, Serra Leoa, África do Sul e outros lugares.
O canal de televisão chinês, sediado em Nairobi, CGTN, e os jornais China Daily e ChinAfrica fornecem à China outros canais — muitas vezes, com pessoal composto por jornalistas africanos formados na China — para promover as suas actividades no continente, apoiar as autoridades africanas e suavizar as críticas ao governo chinês.
Com relação a isto, a imprensa apoiada pelas pelos chineses possui a maior influência nas elites políticas de África. Inquéritos envolvendo residentes do Quénia e da África do Sul, feitos por Madrid-Morales e o professor Hermann Wasserman, da Universidade da Cidade do Cabo, concluíram que muito poucas pessoas (8% no Quénia e 3% na África do Sul) prestaram atenção à imprensa apoiada por chineses no seu dia-a-dia.
Nas zonas rurais do Quénia, por exemplo, onde a rede de satélite StarTimes, da China, traz o CGTN, a maior parte das pessoas não assiste porque é transmitido em inglês, uma língua que eles não falam muito bem, disse Madrid-Morales.
“Aqueles que falam inglês preferem outros canais, como Al Jazeera,” disse.
Mas outros alertam para não se subestimar o impacto da China nos panoramas da imprensa local.
“Os jornalistas criticaram a propaganda de Pequim como sendo deselegante e irrelevante e estiveram confiantes de que a sua literacia de media ou os sistemas políticos iriam proteger o ecossistema da imprensa contra a interferência da China,” reportou a FIJ. “Mas quando considerados a nível global, os resultados parecem ser muito diferentes. A China está a sair da pandemia da COVID-19 com uma cobertura global mais positiva das suas acções e políticas do que antes da pandemia.”