EQUIPA DA ADF
Uma manifestação pró-Rússia nas ruas de Bamako, Mali, foi concebida para parecer espontânea. Entretanto, foi tudo menos isso. Dias depois do segundo golpe daquele país, depois de nove meses, centenas de manifestantes pró-exército marcharam da Praça Central à Embaixada da Rússia, levantando bandeiras russas e empunhando sinais anti-França.
A aglomeração do dia 27 de Maio foi concebida para parecer como se fosse um show de apoio, a nível da base, mas foi planificada numa base do exército e dirigida por membros e familiares de militares.
“Viemos em apoio aos nossos homens, para apoiar o exército e pedir que a Rússia venha e nos ajude,” uma esposa de um soldado disse à Agência France-Presse.
Uma outra confirmou que os manifestantes reuniram-se um dia antes, no quartel militar de Kati, cerca de 16 quilómetros a noroeste da capital, para planificar o evento.
“Nós fizemos isso porque acreditamos que o exército deseja o bem para o Mali e merece o apoio de todos os malianos,” Moussa Troure disse ao The Daily Beast. “A Rússia nos ama.”
As campanhas de desinformação que datam desde 2019 estiveram ligadas ao primeiro golpe de Estado do Mali, em Agosto de 2020, depois de protestos que culminaram com a deposição do presidente democraticamente eleito, Ibrahim Boubacar Keïta.
Procurando expandir a sua influência no Mali por vários anos, a Rússia é suspeita de pagar activistas e influenciadores e de utilizar contas falsas e pirateadas das redes sociais para amplificar a sua propaganda.
Com falta de supervisão e agências de verificação de factos, o governo do Mali e o ambiente da imprensa fornecem amplas oportunidades para manipular o público.
Um estudo de Julho de 2021, feito pelo pesquisador francês, Maxime Audinet, intitulado “The Lion, the Bear and the Hyenas: Russian Informational Practices and Narratives in Sub-Saharan Africa (O Leão, o Urso e as Hienas: Práticas e Narrativas de Informação Russa na África Subsaariana),” mostrou como a propaganda russa é difundida online, através de plataformas de multimédia sob a gestão do Estado, Russia Today e Sputnik, depois da sua criação da edição em língua francesa.
A pesquisa de Audinet concluiu que o tráfico maliano para a página da Russia Today, em francês, registou um aumento para 16.628 visitas por mês, em 2020. Ao mesmo tempo, a audiência de Sputnik, em francês, cresceu no Mali, com 107.360 visitas por mês.
“Como parte da sua estratégia de sedução, os russos estão a procurar reunir as narrativas enraizadas no seu país, como a defesa da soberania,” Audinet disse à revista The Africa Report. Estas são “narrativas que já estão enraizadas em África, que denunciam a interferência ocidental e Françafrique.”
A França e a Rússia travam uma guerra de informação nas redes sociais e ambas enfrentam repercussões.
Em Dezembro de 2020, o Facebook e o Instagram desactivaram mais de 500 contas, páginas e grupos originados da Rússia e da França, que tinham como alvo 13 países africanos, incluindo o Mali.
A Rússia pretende tirar vantagens da já emergente tensão maliana com a França, de acordo com Andrew Lebovich, do Conselho Europeu das Relações Exteriores (ECFR), cuja pesquisa se focaliza no Sahel.
“A prevalência das redes sociais cria susceptibilidades à desinformação, como o faz em muitos outros países,” disse à ADF. “A falta de confiança, em particular da França, provém do período colonial, e as políticas pós-coloniais também desempenham um papel.
“Este contexto também é a razão pela qual precisamos de ter uma nuance e uma visão informada sobre o impacto da falta de informação e da desinformação. Apesar de ela certamente desempenhar um papel — às vezes, um papel muito importante — não é a única explicação para coisas como o sentimento anti-França no país.”
As operações de desinformação e ferramentas de persuasão para reforçar a imagem da Rússia nos países africanos deram ao país um lugar para o estabelecimento de cooperação militar e técnica com os seus conselheiros e mercenários.
A culminação da recente tensão foi a reportagem de Setembro de 2021, do serviço de notícias da Reuters, que afirma que Mali e Rússia estavam próximos de um acordo que iria permitir que pelo menos 1.000 mercenários russos do Grupo Wagner operassem naquele país da África Ocidental.
Alguns aliados do Mali alertaram que a presença do Grupo Wagner pode aumentar a desestabilização do país e fazer com que países estrangeiros retirem tropas que servem nas missões de manutenção da paz e operações de treinos.
Lebovich acredita que a retirada pode ter dado ao Mali uma pausa.
“Um acordo entre o governo de transição do Mali e o Grupo Wagner foi preparado, mas nunca assinado,” escreveu para o ECFR.
“Embora a pressão internacional possa ter ajudado a deter o governo do Mali para que não avançasse, outros factores, incluindo o comportamento grotesco do Grupo Wagner, em países como a República Centro-Africana, e uma falta de interesse do Grupo Wagner nas ofertas minerais do Mali pode também ter desempenhado um papel.”