EQUIPA DA ADF
Dias depois de um golpe de Estado no Burquina Faso, no início de 2022, um jornalista levantou-se no campus da Universidade Joseph Ki-Zerbo, em Ouagadougou, e perguntou aos estudantes como eles se sentiam.
Um estudante de Filosofia, do terceiro ano, de nome Kadlé, expressou um sentimento de muitos burquinabês.
“Precisamos de eleições, precisamos de uma democracia, mas se isso não trouxer resultados, de que nos serve?” disse à Radio France Internationale.
É um ponto de vista repetido em toda a região do Sahel. Uma falta de segurança deixou fartos os cidadãos que estavam dispostos a apoiar qualquer pessoa que prometesse uma retoma da segurança. Isso, combinado com a crise de confiança no Estado, forneceu uma abertura para os líderes do golpe militar.
O Dr. Folahanmi Aina, do Kings College, um especialista em segurança daquela região, chama isso de “falta de confiança vertical.” O pacto social entre o povo e o Estado ficou quebrado, fazendo com que o povo fique disposto a procurar por alternativas.
“Isso cria ressentimento para com o Estado e tende a tirar a legitimidade da autoridade do Estado,” disse à ADF. “Porque o pacto social entre o Estado e a sociedade declara que devia fornecer certos bens públicos à sociedade e, em troca, a sociedade devia jurar aliança ao Estado. Mas na ausência destes, existe tensão.”
A história recente demonstra que os líderes do golpe de Estado raramente são capazes de cumprir as suas promessas.
Na primeira metade de 2022, enquanto a instabilidade política estava em alta no Sahel, houve 2.272 mortes de civis no Burquina Faso, Mali e Níger. Esse total era mais do que o ano anterior.
Burquina Faso, que experimentou dois golpes em 2022, está a caminho de registar mais de 1.500 eventos violentos e 3.800 mortes este ano, comunicou o Centro de Estudos Estratégicos de África. Isso representa um aumento de 35% em comparação com o ano anterior.
Aina disse que é surpreendente que governos liderados por militares sejam incapazes de acabar com a violência extremista. Estes governos tendem a oferecer uma abordagem de exército primeiro para os problemas complexos que exigem um esforço que envolve toda a sociedade.
“Por causa da sua postura tradicional de utilizar a força, eles fazem o que sabem fazer de melhor para tentar resolver os problemas, que não exigem apenas o uso da força,” disse Aina.
Os grupos extremistas usam essas falhas como uma ferramenta de recrutamento, disse. Eles apontam para as tácticas militares pesadas e mortes de civis nos seus esforços de propaganda.
“A abordagem [é] pressionar as pessoas vulneráveis para se juntarem aos grupos jihadistas, em vez de afastá-los para longe das ideologias extremistas,” escreveu Aina para o The Conversation. “Os grupos jihadistas da região provavelmente também venham a intensificar a sua influência em toda a região — visando ganhar os corações e as mentes dos residentes locais.”
Em algumas aldeias do norte do Burquina Faso, os grupos extremistas capitalizaram a falta de presença do Estado para isolar cidades, administrar justiça rigorosa e cobrar impostos. Em termos gerais, afirmam os observadores, estes grupos estão dispostos a esperar pacientemente para que os governos militares entrem em colapso.
“Os jihadistas implementaram uma estratégia de atrito que consiste em ser paciente, demonstrar as sementes da divisão, desmantelar o nosso sistema político e desestabilizar a ordem social,” Mahamoudou Savadogo, um consultor de segurança burquinabê, disse à TV5 Monde.
Um relatório do Grupo Internacional da Crise (ICG) alertou que o objectivo a longo prazo dos grupos extremistas violentos é utilizar o Burquina Faso como uma plataforma para expandir para o sul.
“A história, a sociedade e a política do Burquina estão interligadas com as dos seus vizinhos do sul,” escreveu o ICG. “Podia servir como uma porta aberta para o Golfo da Guiné. Com os militantes a enraizarem-se no Burquina, eles ocupariam uma posição ideal para se movimentarem em direcção ao sul.”
Se o extremismo ganhar espaço nos países do Golfo que já se encontram enfraquecidos, Aina receia que isso possa ser um presságio para mais instabilidade política.
“O que estamos a ver é provavelmente o mínimo que poderíamos ver,” disse à ADF. “Na minha opinião e observando a tendência óbvia, a África Ocidental pode esperar ver mais golpes de Estado.”