EQUIPA DA ADF
FOTOGRAFIAS DE AFP/GETTY IMAGES
Abubakar Shekau já tinha enganado a morte antes. Várias vezes, desde que o líder cruel do Boko Haram assumiu o controlo do grupo extremista violento sediado na Nigéria, em 2009, anúncios da sua morte tinham sido ouvidos. Em todas essas vezes tais mortes eram prematuras — até Maio de 2021.
Relatos mais uma vez indicaram que Shekau tinha sido morto, desta vez, durante uma batalha com uma facção rival do Boko Haram conhecida como a Província do Estado Islâmico da África Ocidental (ISWAP). A notícia, que constou ser verdadeira, veio numa gravação de áudio feita pela facção rival. Uma voz que se pensa ser do líder da ISWAP, Abu Musab al-Barnawi, disse que Shekau “pôs fim à sua própria vida de forma instantânea detonando um explosivo.”
“Shekau preferia ser humilhado na próxima vida em vez de ser humilhado na terra,” disse, de acordo com a BBC.
A morte de Shekau possui ramificações importantes para aqueles que permanecem na sua facção do Boko Haram, para a ISWAP e para as forças de segurança regionais e nigerianas que lutam contra todos os extremistas. A iteração original do Boko Haram provavelmente irá continuar para o fundador, a ISWAP provavelmente irá ganhar força e as forças de segurança terão de mudar a sua abordagem para fazer face à nova ameaça crescente.
A ISWAP, que possui fortes ligações com o grupo central do Estado Islâmico, provavelmente tornar-se-á o foco de um novo empreendimento de crescimento em África, depois de as intervenções militares internacionais terem revertido e degradado os primeiros ganhos no Médio Oriente. Um especialista espera que a luta contra o terrorismo jihadista no norte da Nigéria e na Bacia do Lago Chade venha a intensificar-se e a crescer.
“O que isso também significa é que agora existe uma necessidade de mais esforços concertados visando combater as operações de influência da ISWAP, melhorar a governação civil e a prestação de serviços públicos, numa altura em que a ISWAP começa a ganhar mais terreno,” Folahanmi Aina, um investigador nigeriano e estudante de doutoramento no Kings College London, disse à ADF.
O Boko Haram já não é a ameaça monolítica que emergiu em 2002, no Estado de Borno, e cresceu para ser uma verdadeira insurgência em 2009. Agora um conjunto de fracções continuam activas, com a ISWAP a ser o líder inequívoco na organização, habilidades tácticas e potencial de ameaça.
As Muitas Facetas do Boko Haram
ISWAP é o nome que o Boko Haram assumiu em Março de 2015 quando Shekau jurou fidelidade do seu grupo ao grupo do Estado Islâmico e ao seu líder, na altura, Abu Bakr al-Baghdadi. O Boko Haram tinha, nos meses precedentes, sofrido derrotas das forças regionais e nigerianas que o enfraqueceram e inflamaram as crescentes lutas internas, de acordo com um relatório de Maio de 2019, feito pelo Grupo Internacional da Crise, intitulado “Enfrentando o Desafio da Província do Estado Islâmico da África Ocidental.”
Um ano depois, o Boko Haram dividiu-se, com o al-Barnawi — filho do fundador do Boko Haram, Mohammed Yusuf — e outros, deixando Shekau, mantendo o nome ISWAP e aceitando o reconhecimento oficial do grupo do Estado Islâmico central.
Shekau continuou no controlo de um pequeno remanescente e assumiu o nome original do grupo: Jama’tu Ahlis Sunna Lidda’awati wal-Jihad, ou JAS.
A liderança muda e as controvérsias persistem na ISWAP desde a separação, e acredita-se que o próprio al-Barnawi foi deposto como líder e posteriormente morto em Agosto de 2021, embora os detalhes sobre a sua morte sejam escassos. Mas o grupo foi capaz de fazer uso com sucesso das ligações com o grupo do Estado Islâmico para continuar a crescer e exercer influencia na região. O Grupo Internacional da Crise estima as forças da ISWAP entre 3.500 e 5.000 combatentes em 2019, com apenas 1.500 a 2.000 para o JAS. E o grupo menor regista deserções contínuas desde então.
Uma outra facção, que opera na região do Lago Chade, é conhecida como Bakura, que assume o seu nome de Ibrahim Bakura, também conhecido como Bakura Doron. A facção de Shekau estava enraizada na floresta de Sambisa, no Estado de Borno da Nigéria. A facção Bakura, que é uma subfacção de Shekau e era leal a ele, foi responsável pelos ataques em Camarões, Chade, Níger e Nigéria, de acordo com um relatório de Março de 2020, da Jamestown Foundation.
Por último, a facção que teve a mais antiga separação do Boko Haram, de 2012, conhecida como Ansaru, encontra-se alinhada com o grupo terrorista internacional al-Qaeda. Esteve inactivo por algum tempo, mas alegadamente ressurgiu no noroeste da Nigéria, de acordo com o Centro Soufan.
A Actual Ameaça Extremista
Desde a morte de Shekau, em Maio de 2021, a facção JAS esteve em declínio. Mesmo com ele ainda vivo, a rival ISWAP tinha-se oposto ao apoio de Shekau à violência indiscriminada contra civis, particularmente companheiros muçulmanos, que viviam fora do território do seu grupo, de acordo com o relatório do Grupo Internacional da Crise.
“A ISWAP deixou claro que, por contraste, tinha adoptado uma postura menos hostil para com os muçulmanos civis.”
Essa postura, que se pensa que ainda assim seja violenta e cruel, permitiu que a ISWAP se infiltrasse efectivamente na população civil, na bacia do Lago Chade, e, por vezes, até ganhasse uma medida de apoio por parte deles, disse Aina.
“Agora a ISWAP centra-se maioritariamente nos ataques contra as formações militares e na aquisição de armamento, conforme demonstrou durante o seu primeiríssimo ataque, que foi no dia 3 de Junho de 2016,” disse Aina.
Naquele ataque, os combatentes da ISWAP atacaram uma base nigeriana, na aldeia rural de Bosso, no Lago Chade, próximo da fronteira com a Nigéria. “O ataque ilustrou aquilo que se tornaria o modus operandi da ISWAP: uma rusga que tinha como alvo o exército, capturando armas e suprimentos, sem deixar nenhum morto entre os civis,” de acordo com o Grupo Internacional da Crise.
“Para além disso, a ISWAP administra a governação civil e a prestação de serviços públicos em zonas onde ela opera, como abrir poços, fornecer dividendos para recrutas e mesmo cobrar impostos,” disse Aina. “O Boku Haram, por outro lado, geralmente centra-se nos ataques contra o exército e as populações civis e é conhecido por estar, na maior parte das vezes, envolvido no sequestro de civis, por exemplo, as raparigas de Chibok.” O Boko Haram sequestrou 276 raparigas de uma escola de Chibok, no Estado de Borno, em 2014, despertando condenações internacionais.
A ISWAP também resolveu não utilizar mulheres e crianças como bombistas suicidas. “Basicamente, estas são algumas formas de tácticas adoptadas pela ISWAP, visando ganhar os corações e as mentes dos residentes locais,” disse Aina à ADF. Esta postura permitiu que o grupo dependesse de alguns residentes locais para obter informações, o que aumenta mais ainda os desafios das forças de segurança.
Mesmo assim, a ISWAP continua a ser um grupo terrorista sem compaixão, maltratando e raptando inocentes civis para atingir os seus propósitos. Por exemplo, em Julho de 2020, acredita-se que o grupo tenha raptado e executado cinco nigerianos, três dos quais trabalhadores de organizações de ajuda humanitária, no Estado de Borno.
Um mês antes, a ISWAP matou 81 civis, na aldeia de Gubio, do Estado de Borno, e matou 20 soldados, em Monguno, que estavam a proteger as organizações não-governamentais internacionais, de acordo com uma publicação do blog do grupo de reflexão Council on Foreign Relations. A maior parte dos que foram mortos em Gubio eram muçulmanos.
“Enquanto a [ISWAP] rotulava as suas vítimas de vigilantes que trabalham com as forças governamentais, eles eram na sua maioria pastores de gado desarmados e residentes, alguns dos quais traziam armas ligeiras para autodefesa numa região claramente instável,” de acordo com a publicação.
Entretanto, a facção JAS de Shekau esteve a reduzir. De acordo com um relatório do dia 18 de Agosto de 2021, feito pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS), mais de 2.100 pessoas associadas ao JAS saíram desde a morte de Shekau, em Maio de 2021. Aqueles que saíam eram civis que não eram capazes de sair anteriormente, por medo de retribuição ou combatentes, incluindo comandantes e membros da sua família. A maior parte destas deserções ocorreram no Estado de Borno, da Nigéria.
As deserções devem-se a duas coisas, relata o instituto. Primeiro, a ISWAP está a permitir que as pessoas saiam, especificamente aquelas que tinham sido forçadas a ficar no JAS como trabalhadores ou escudos humanos. Segundo, os combatentes do JAS que não querem juntar-se à ISWAP e fogem para salvar as suas vidas. “Enquanto a ISWAP fortalece o seu monopólio das operações de extremismo violento na Bacia do Lago Chade, despromoveu alguns dos comandantes do JAS, substituindo-os pelos seus próprios líderes mais jovens, das ilhas do Lago Chade,” de acordo com o ISS.
A Ameaça Futura
Enquanto a ISWAP emerge como a facção dominante do Boko Haram, talvez ainda mais preocupante seja o facto de que parece estar determinada a formar a base de um grupo insurgente do Estado Islâmico em África, depois de o grupo ter sido degradado no Médio Oriente, disse Aina.
Com as suas ligações com a liderança do grupo do Estado Islâmico central, Aina receia que a ISWAP possa eventualmente integrar a facção do JAS que sofreu lacunas de na liderança e uma falta de direcção desde a morte de Shekau. Uma outra possibilidade é ainda mais perturbante. E se a ISWAP encontrar uma causa comum com as gangues criminosas armadas na Nigéria?
No noroeste da Nigéria, as gangues do crime organizado estiveram a causar destruição durante cerca dos últimos cinco anos, através de raptos para pedido de resgate, primariamente tendo como alvo internatos, escreveu o associado de pesquisa, Dr. Mark Duerksen, num relatório de Março de 2021, para o Centro de Estudos Estratégicos de África.
As gangues criminosas, descritas pelos nigerianos como bandidos, tiveram a sua origem no Estado de Zamfara onde as minas de ouro artesanal são comuns. As autoridades estaduais estimam que existam 10.000 bandidos armados espalhados por 40 acampamentos somente em Zamfara, escreveu Duerksen.
Pelo menos 30.000 bandidos estavam a operar nos Estados de Kaduna, Katsina, Kebbi, Níger, Sokoto e Zamfara, adido de imprensa do Governador de Zamfara, Bello Matawalle, disse ao site de notícias online nigeriano, The Cable, em Abril de 2021. Aproximadamente 3.000 pessoas foram mortas durante um ataque de bandidos entre 2011 e 2019 e mais 1.000 foram sequestradas neste período.
“As actividades destas gangues organizadas no Estado de North West estão a atrair a atenção de grupos militantes islamitas,” escreveu Duerksen. “O Ansaru destacou clérigos para a região, para pregarem contra a democracia e contra os esforços do governo para o alcance da paz. Existem também algumas evidências de que a [ISWAP] está a desenvolver laços com grupos criminosos de North West, numa tentativa de radicalizar a região.”
Este desenvolvimento potencial é o maior receio de Aina. Disse que o Estado Islâmico central pode procurar negociar a unificação da ISWAP à facção de Ansaru, agora que Shekau está fora do quadro. Os bandidos, que, em termos gerais, operam sem uma ideologia política, também podem estar prontos para serem uma cooptação.
Os bandidos iriam oferecer números e armamentos à ISWAP. Os militantes iriam oferecer aos bandidos a ordem e uma missão. As forças de segurança nigerianas realizaram campanhas para atenuar as ameaças criminosas no noroeste. No início de Setembro de 2021, as autoridades encerraram redes de telefonia móvel no Estado de Zamfara, numa altura em que trabalhavam para combater os bandidos armados, noticiou a Reuters. Dias depois, as autoridades tomaram medidas semelhantes em partes do Estado de Katsina.
Enquanto os bandidos são dispersos e procuram formas de resistir às forças de segurança do governo, a facção Ansaru e a ISWAP podem oferecer uma solução útil, disse Aina.
“Eles podem ser o tipo de grupos que a ISWAP pode estar à procura,” disse Aina à ADF. “E eles provavelmente precisarão do Ansaru para ajudá-los a recrutar esses bandidos locais, por causa do facto de o Ansaru conhecer melhor o terreno em relação à ISWAP.”
O Caminho a Seguir
Uma coisa é certa: uma ISWAP fortalecida e com mais coragem irá significar a continuação de instabilidade na Bacia do Lago Chade, na Nigéria e nos países vizinhos. Resolver este problema complexo não será fácil. As forças de segurança regionais, desde a Força Conjunta G5 do Sahel até a Força-Tarefa Conjunta Multinacional e outras, tiveram dificuldades de manter o ritmo com as várias ameaças jihadistas que são diversas e se espalham pela maior parte da região do Sahel.
Uma abordagem, contudo, parece estar a formar a base de um consenso entre aqueles que estudam e observam a ameaça do Boko Haram. Os governos terão de melhorar a sua habilidade de preencher as lacunas de serviços e de liderança que agora estão a ser exploradas por militantes, especificamente aqueles afilhados à ISWAP.
Aina disse que os governos regionais precisarão de fornecer uma “governação centrada no cidadão e construção da resiliência,” para abordar os impulsionadores do extremismo, como o analfabetismo e o desemprego. Este trabalho, em conjunto com uma acção militar contínua, pode demonstrar aos civis que os governos baseados no Estado têm os seus interesses e necessidades em mente. O relatório do Grupo Internacional da Crise faz recomendações semelhantes.
“As raízes profundas da ISWAP na população civil sublinham que o governo nigeriano e, até certo ponto, dos Camarões, do Chade e do Níger não podem olhar apenas para os meios militares para garantir a sua derrota,” de acordo com o relatório do grupo.
“Em vez disso, eles devem procurar enfraquecer as ligações da ISWAP com os residentes locais, provando-lhes que eles podem preencher as lacunas de serviços e de governação, pelo menos nos lugares em que eles controlam, mesmo enquanto procuram combater os insurgentes de forma mais humana quanto possível e de uma forma que protege os civis.”