EQUIPA DA ADF
Touhoulia Elie caiu na sua cadeira, no centro da aldeia Mbah-Laindé, nos Camarões, enquanto falava com um repórter.
O jovem agricultor levantou a sua camisete para mostrar as cicatrizes nas suas costas, uma lembrança dolorosa de ter sido raptado por extremistas quando se encontrava a fazer colheita na sua machamba.
“Quando me trouxeram para o seu acampamento depois de caminhar durante dias, bateram em mim, ferindo-me na cabeça,” disse à página da internet AfricaNews, num vídeo do dia 24 de Outubro. “Alguns deles fumavam e apagavam os seus cigarros nas minhas costas.
“Eles queriam enforcar-me. Passaram uma corda no meu pescoço e puxaram-me para o chão como alguém que puxa num ramo de árvore.”
Os raptos no norte dos Camarões tornaram-se um negócio lucrativo nos últimos anos, numa altura em que os militantes do Boko Haram expandiram as suas operações para a região do Lago Chade.
Sessenta pessoas foram raptadas e mantidas reféns para obtenção de resgate nos últimos três meses, de acordo com o Presidente do Município de Touboro, uma cidade que dista a cerca de 12 km a leste de Mbah-Laindé.
“Desde Janeiro até hoje, houve centenas de raptos,” Celestin Yandal, disse à AfricaNews. “Os resgates pagos estão estimados em milhares de francos CFA. Não existe um número exacto.
“É um assunto sério, porque antigos reféns mencionam um grupo inteiro de centenas de pessoas que, depois de terem operado do lado camaronês, nas nossas aldeias, se retiram para o lado chadiano.”
Os resgates são uma forma fundamental de financiamento para o Boko Haram, que também leva reféns para utilizá-los como recrutas, bombistas-suicidas e noivas dos seus combatentes.
Nos sectores de Mayo Tsanaga e Mayo Sava, do norte dos Camarões, próximo da fronteira nigeriana, os militantes do Boko Haram raptaram centenas de pessoas e as obrigaram a trabalhar como agricultores.
De acordo com o Instituto de Estudos de Segurança (ISS), sediado na África do Sul, os ganhos económicos são a principal motivação desses sequestros.
“Os ataques, muitas vezes, ocorrem na calada da noite,” o investigador do ISS, Remadji Hoinathy, escreveu num artigo do dia 26 de Outubro. “Grupos armados de cerca de quatro a 10 pessoas invadem as casas, por vezes, disparando tiros para o ar para desencorajar os residentes de resistirem.”
Os sequestradores levam as suas vítimas e atravessam a fronteira para o Chade, a República Centro-Africana e Nigéria ou as mantêm em esconderijos nos Camarões.
“As aldeias mais atacadas situam-se nas zonas rurais com pouca ou nenhuma presença do Estado, incluindo a polícia, a gendarmaria ou o exército,” escreveu o Hoinathy. “É preciso tempo para que a informação alcance as forças de segurança quando os incidentes ocorrem.”
A investigação do ISS demonstrou como os combatentes do Boko Haram e os bandidos uniram forças na Nigéria para cometer crimes, incluindo raptos. Hoinathy sugeriu que a mesma colaboração pode ter expandido para os Camarões.
A violência cometida pelos militantes do Boko Haram afectou dezenas de milhares de pessoas na região do Lago Chade.
Desde que o Boko Haram começou a lançar ataques no nordeste da Nigéria, em 2009, mais de 36.000 pessoas foram mortas na região, de acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados. Mais de 3 milhões de pessoas fugiram das suas residências.
Os pesquisadores sugerem que o real número de pessoas mortas é muito mais elevado, devido aos ataques não comunicados e às dificuldades de confirmar os detalhes nas zonas recônditas.
Ilaria Allegrozzi, investigadora sénior sobre África, na Human Rights Watch, condenou os ataques e os raptos.
“O Boko Haram está a travar uma guerra contra o povo dos Camarões, com o preço chocante de vidas humanas,” disse. “Enquanto a região do extremo norte dos Camarões torna-se cada vez mais o epicentro da violência do Boko Haram, os Camarões deviam adoptar urgentemente e levar a cabo uma nova estratégia, que respeite os direitos, para proteger os civis que se encontram em risco, no extremo norte.”
Em Mbah-Laindé, o rapto de Elie deixou toda a aldeia traumatizada, que depende da agricultura e do comércio de gado para a sobrevivência.
“Olha para mim agora,” disse. “A minha condição já não me possibilita ir para o campo.
“Estamos todos com medo de ir para lá.”