EQUIPA DA ADF
Com tiros a soar nas noites mais escuras, um grupo de aldeões e refugiados estava a fugir de um acampamento de deslocados de guerra quando viu uma jovem a contorcer-se de dores no chão.
Pediram que se juntasse a eles. Mas ela não aceitou.
“Segundos depois, ouvimos a primeira grande explosão,” um homem de 32 anos de idade, do grupo, disse à organização de advocacia internacional, Human Rights Watch (HRW). “Acreditamos que ela era uma bombista suicida. Podia ter cerca de 14 anos de idade.”
Num ataque tão horrível quanto depravado, militantes do Boko Haram invadiram, no dia 2 de Agosto, um acampamento em Nguetechewe, uma aldeia na Região do Extremo Norte dos Camarões, matando pelo menos 17 pessoas, incluindo cinco crianças e seis mulheres, e ferindo pelo menos 16.
“O ataque suicida nocturno do Boko Haram em Nguetechewe parece ter sido concebido para maximizar o número de mortes e de feridos civis,” disse Ilaria Allegrozzi, uma pesquisadora sénior da HRW África. “Utilizar verdadeiras crianças como bombistas suicidas para atacar pessoas deslocadas é um crime de guerra totalmente repugnante.”
Por mais de uma década, o Boko Haram tem causado terror na região do Lago Chade, operando na região fronteiriça dos Camarões, Chade, Níger e Nigéria. Nessa altura, os grupos de terror adaptaram-se e inovaram.
Não demonstram quaisquer sinais de abrandamento.
Forçados a recuar para as florestas e para as montanhas pela Força-Tarefa Multinacional Conjunta da região, o Boko Haram aumentou os sequestros e o recrutamento de crianças para utilizar como militantes, bombistas suicidas e escravas sexuais.
“O recrutamento de crianças soldado é a mais recente num conjunto de tácticas brutais e desumanas implementadas pelo Boko Haram,” porta-voz da força-tarefa, Coronel Timothy Antigha, do Exército Nigeriano, disse em comunicado de imprensa, atribuindo a culpa do aumento do recrutamento de crianças às crises de lideranças dos rebeldes, ao desentendimento entre os militantes e às recentes rendições e deserções em massa.
“O foco nas crianças deve-se ao facto de estas serem mais fáceis de manipular e doutrinar do que os adultos da região.”
A prática não é nova.
O Boko Haram ganhou fama a nível global quando raptou 276 alunas de uma escola do nordeste da cidade nigeriana de Chibok em 2014. Isso inspirou o uso de bombistas suicidas do sexo feminino como uma forma de continuar a instigar a violência através de “suscitação de choque e pavor no seio da comunidade local e internacional,” de acordo com um relatório de 2017 do Centro de Combate ao Terrorismo, em West Point.
“Eles chegaram à conclusão de que as mulheres podem conseguir fazer passar mais explosivos pelos pontos de controlo debaixo dos seus véus,” disse Bulama Bukarti, analista do Instituto Tony Blair para a Mudança Global. “Foi devastador. Ninguém esperava.”
O aumento de recrutamento e do uso de crianças pelo Boko Haram continua até hoje.
Entre Janeiro de 2017 e Dezembro de 2019, houve “5.741 violações graves contra crianças” na região do Lago Chade, de acordo com um relatório de Julho feito por Virgínia Gamba, a representante especial das Nações Unidas para a área de crianças e conflitos armados.
Nessa altura, o Boko Haram recrutou e utilizou 1.385 crianças — maior parte das quais raptadas — em acções perpetradas por terroristas.
“As crianças da Nigéria e dos países vizinhos continuaram a sofrer violações horrendas perpetradas pelo Boko Haram,” disse ela. “A expansão das actividades do grupo na região da Bacia do Lago Chade é uma grande preocupação para o Secretário-Geral.”