EQUIPA DA ADF
Os sons dos ataques aéreos, da artilharia e dos disparos de armas ligeiras ecoam pelas ruas de Cartum e Omdurman, em lados opostos do Nilo, enquanto a guerra persiste no Sudão sem fim à vista.
As Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel-Fattah Burhan, têm a supremacia aérea. Contudo, as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares e o seu líder, conhecido como Hemedti, têm cerca de 100.000 combatentes com experiência em guerra urbana.
“Estamos aterrorizados; todos os dias os ataques estão a piorar,” Nahid Salah, um residente do norte de Omdurman, disse à Reuters.
Inicialmente centrados na capital, Cartum, os combates alastraram-se para quatro dos cinco Estados de Darfur e, mais recentemente, aos Estados do Cordofão do Norte e do Sul.
O que já é uma crise humanitária regional está a ameaçar alastrar-se e desestabilizar os países vizinhos.
“Esta é uma crise humanitária e de direitos humanos que se está a desenrolar a um ritmo alarmante, numa escala devastadora e com uma complexidade nunca antes vista no país,” afirmou Volker Türk, Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, durante um diálogo interactivo no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, a 19 de Junho.
“Esta é uma crise que se repercute em toda a região. É um barril de pólvora.”
Desde o início dos combates, a 15 de Abril, cerca de 3.000 sudaneses foram mortos e cerca de 2,5 milhões foram deslocados.
Ambas as partes violaram vários acordos de cessar-fogo e resistiram às tentativas de negociar uma trégua ou mesmo de permitir um corredor humanitário.
As RSF foram acusadas de ocupar e saquear casas. Grupos da sociedade civil afirmam ter documentado mais de 80 casos de violência sexual por parte dos combatentes das RSF.
“O povo do Sudão está a sofrer incomensuravelmente,” disse Türk. “As ruas de Cartum e das cidades vizinhas, de El Geneina e de El Obeid, estão manchadas com o sangue de civis.
“E milhões de pessoas continuam a necessitar de assistência humanitária vital, que, em muitos locais, tem sido praticamente impossível de prestar.”
Os combates em Darfur assumiram um enfoque étnico ameaçadoramente familiar. As RSF surgiram da famosa milícia Janjaweed, acusada de genocídio contra minorias não árabes em 2003.
A ONU alertou para a possibilidade de novos crimes contra a humanidade nos actuais combates de Darfur, uma vez que as RSF e as milícias aliadas são acusadas de matar civis quando estes fogem de El Geneina para o Chade.
“Os nossos funcionários das Nações Unidas responsáveis pelos direitos humanos ouviram vários relatos que corroboram o facto de as milícias ‘árabes’ estarem a visar principalmente homens adultos da comunidade Masalit,” afirmou a porta-voz Ravina Shamdasani num comunicado.
Enquanto os combates entre as RSF e as SAF se intensificam, outra preocupação é o envolvimento crescente de outros grupos armados.
No Cordofão do Sul, uma facção do grupo rebelde Movimento de Libertação do Povo do Sudão-Norte apoderou-se de várias bases das SAF, de acordo com o relatório de situação de 23 de Junho, do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED).
“A expansão dos combates e o envolvimento de novos grupos armados complicam ainda mais a crise multifacetada no Sudão e sublinham os riscos acrescidos que os civis enfrentam em todo o país,” informou o ACLED.
Grupos extremistas, como o grupo Estado Islâmico e a Irmandade Muçulmana, declararam abertamente que a sua intenção é aproveitar o caos e a ausência de lei para estabelecer células e recrutar numa população devastada pela guerra.
Mohamed Belaiche, chefe do Gabinete de Ligação da União Africana no Sudão, atribuiu a culpa da carnificina e da destruição no Sudão principalmente aos “confrontos fratricidas entre duas entidades militares.”
A situação, disse ele à Voz da América (VOA), representa “uma verdadeira ameaça à paz e à segurança em toda a região do Corno de África.”
Enass Muzamel, um activista sudanês dos direitos humanos, apelou à comunidade internacional para que responsabilize os generais em guerra.
“A guerra é o resultado de generais que colocam os seus interesses acima dos interesses dos seus cidadãos,” disse à VOA.
“O povo sudanês não tem nada a ver com esta guerra, excepto pagar o preço. O povo sudanês tem-se erguido contra o regime opressivo e agora tem esta experiência amarga.”