EQUIPA DA ADF
Depois de formar alianças com juntas lideradas por militares no Sahel, a Rússia poderá estar a deslocar a sua campanha de influência para sul, apoiando a agitação social na Nigéria.
Durante um protesto de 10 dias, em Agosto, exigindo uma melhor governação, alguns manifestantes na cidade de Kano, no noroeste do país, exibiram subitamente bandeiras russas e apelaram à Rússia para que pressionasse o governo federal a mudar o regime. As autoridades detiveram 90 pessoas por agitarem ou fabricarem bandeiras russas.
O Chefe do Estado-Maior da Defesa da Nigéria, General Christopher Musa, disse aos jornalistas que o governo não aceitaria que os cidadãos hasteassem bandeiras estrangeiras.
“Não aceitaremos que ninguém insista numa mudança de governo,” disse Musa.
A injecção de sentimentos russos nos protestos internos tornou-se um estratagema habitual dos agentes russos em África, segundo Joseph Siegle, director de investigação do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS) em Washington, D.C.
“O padrão de como a Rússia tem sido capaz de armar e sequestrar protestos para os seus próprios objectivos políticos é subestimado no continente,” Siegle disse à PassBlue, que cobre as Nações Unidas. “É claramente um esforço para fomentar a agitação e manipular as queixas autênticas.”
O risco, segundo Siegle, é que a influência russa na Nigéria possa fazer com que protestos isolados se transformem em distúrbios que afectem o país.
“Este é exactamente o padrão que vimos no Mali nos 18 meses que antecederam o golpe,” disse.
A Rússia é um dos principais fornecedores de desinformação em África, sobretudo no Sahel. Estudos demonstram que a Rússia é responsável por 40% da desinformação nas redes sociais e pelas notícias falsas.
Os países africanos onde a Rússia está activa obtêm uma média de 22 pontos em 100 na avaliação da Freedom House sobre o acesso aos direitos políticos e às liberdades civis. Os países africanos, em média, obtêm 43 pontos.
O ACSS calcula que a influência russa tenha atrasado ou feito descarrilar o progresso democrático em duas dezenas de países africanos. As campanhas de desinformação russas visam países africanos com instituições democráticas fracas.
Antes do golpe militar de 2021 no Mali, uma campanha de desinformação russa minou a confiança no governo eleito do país, que tinha sido incapaz de derrotar uma insurgência Tuaregue durante muitos anos.
Após o golpe de Estado, a junta no poder convidou rapidamente os mercenários russos do Grupo Wagner, actualmente Africa Corps, a entrar no país como “formadores.” Desde então, os mercenários invadiram comunidades, executaram pessoas e violaram os direitos humanos.
A Rússia tem tido uma influência semelhante no vizinho Burquina Faso e, mais recentemente, no Níger, que faz fronteira com seis Estados nigerianos a norte. O Burquina Faso e o Níger são governados por juntas que derrubaram governos democráticos.
“Por isso, quando se vêem bandeiras russas na Nigéria, há uma ligação óbvia com o que a Rússia fez noutros lugares,” Siegle disse à PassBlue.
A Rússia associou a sua influência militar no Burquina Faso, no Mali e no Níger a operações mineiras que visam os recursos nacionais mais valiosos do Sahel, incluindo o ouro e o urânio. As forças russas seguiram um padrão semelhante na República Centro-Africana, na Líbia e no Sudão.
A Nigéria sofreu cinco golpes de Estado militares entre 1960 e 1999, mas os 218 milhões de habitantes do país vivem há 25 anos numa democracia multipartidária.
Os Estados do norte da Nigéria têm uma longa relação histórica, cultural e económica com o Níger. As regiões partilham uma população maioritariamente muçulmana e de língua Hausa.
Os Estados do norte vivem há décadas sob a ameaça do terrorismo do Boko Haram e do seu ramo, a Província da África Ocidental do Estado Islâmico.
Um estudo do Observatório para a Liberdade Religiosa em África indicou que quase 56.000 pessoas foram mortas na Nigéria em cerca de 10.000 ataques entre Outubro de 2019 e Setembro de 2023. Mais de 21.000 pessoas foram raptadas durante o mesmo período.
Os observadores preocupam-se com o facto de a insegurança no norte da Nigéria reflectir a situação nos países do Sahel, aumentando o potencial de uma maior influência russa nessa região. Há quem veja a recente tentativa da Rússia de desenvolver influência no norte da Nigéria como a precursora de uma tentativa de explorar os recursos de ouro no Estado de Zamfara.
“Os protestos são um acto democrático normal para exigir mudanças,” afirmou Siegle. “São precisamente estes actos que estão a ser desviados por um actor externo… que têm sido o principal meio de entrada e influência da Rússia em África.”