EQUIPA DA ADF
A junta no poder no Mali prometeu repetidamente restaurar a paz no país depois de ter utilizado a ameaça terrorista como justificação para golpes de Estado em 2020 e 2021
. No entanto, a violência no país aumentou constantemente ao longo do último ano e não mostra sinais de abrandamento.
Entre meados de 2022 e meados de 2023, os eventos violentos ligados a “grupos islâmicos militantes” aumentaram para 1.024, contra 862 registados no período anterior, de acordo com um relatório do Centro de Estudos Estratégicos de África. Os actos de violência, lançados por grupos terroristas ligados à al-Qaeda e ao grupo do Estado Islâmico (EI), incluem ataques às forças de segurança e a civis.
“O Mali está a caminho de ver mais de 1.000 eventos violentos envolvendo grupos militantes islâmicos em 2023, eclipsando os níveis recordes de violência do ano passado e um aumento de quase três vezes desde que a junta tomou o poder em 2020,” lê-se no relatório do ACSS.
No primeiro semestre de 2023, registaram-se 16 episódios de “violência militante islâmica” num raio de 150 quilómetros de Bamako, a capital do país, em comparação com cinco desses eventos nos seis meses anteriores. Desde 2021, a violência contra civis aumentou 278%, com mais de 1.600 vítimas mortais registadas, revelou o relatório.
Homens armados abriram fogo contra uma coluna logística da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali (MINUSMA) no início de Julho. O ataque no norte do Mali desencadeou um intenso tiroteio durante o qual um camião-cisterna se virou, ferindo um civil.
A emboscada ocorreu menos de uma semana depois de o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter votado por unanimidade o fim da operação de 10 anos da MINUSMA, depois de a junta militar do Mali, liderada pelo Coronel Assimi Goïta, ter pedido à força de 13.000 homens que partisse “sem demora.”
No ano passado, as tropas francesas abandonaram o país, pondo fim a uma operação de nove anos, numa altura em que as relações entre os dois países se deterioravam. Também em 2022, o Mali abandonou a Força Conjunta do G5 do Sahel, um esforço regional de colaboração para combater o terrorismo. A decisão foi considerada “infeliz” e “lamentável” por Martha Pobee, Secretária-Geral Adjunta da ONU para África.
Com a saída das tropas estrangeiras do Mali, surgiu um campo de batalha entre grupos extremistas rivais que disputam o território anteriormente patrulhado pelas forças da ONU.
“Várias áreas estão agora sob o controlo de facto de grupos militantes islâmicos, onde estes aplicam uma justiça brutal, comoexecuções e amputações,” de acordo com o ACSS.
Estes grupos — nomeadamente o Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), que está ligado à al-Qaeda, e o Estado Islâmico no Grande Sahel (ISGS) — lutam habitualmente entre si quando não estão a atacar as forças de segurança e os civis.
No dia 4 de Junho, os militantes do ISGS amputaram uma mão e um pé de dois homens acusados pelo grupo de roubo de gado na aldeia de Inkadewane, na região de Ménaka. “Os militantes também ameaçaram que esta forma de sentença será aplicada em toda a região,” refere o relatório do ACSS.
No início de Março, a JNIM utilizou quatro carros armadilhados durante um combate com o ISGS na região de Ménaka. No mesmo mês, combatentes do ISGS agrediram comerciantes, incendiaram bicicletas e mercadorias e roubaram veículos de um mercado, na região de Tombuctu, que o ISGS mandou fechar, mas que a JNIM queria que continuasse aberto, segundo o relatório.
Quando a MINUSMA e as tropas francesas saíram do Mali, o Grupo Wagner, de mercenários russos, entrou no país, a um custo de quase 11 milhões de dólares por mês, para garantir segurança e formação, explorando simultaneamente a extracção de ouro.
Mas, em vez de conter o derramamento de sangue, o grupo parece estar a causá-lo. No total, 71% do envolvimento do Grupo Wagner na violência política no Mali assumiu a forma de ataques contra civis, de acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos.
O grupo tem como alvo civis durante os ataques nas regiões de Mopti, Koulikoro, Segou e Tombuctu. Centenas de civis morreram nesses ataques, que incluíram o massacre de mais de 500 civis em Moura, na região de Mopti, em Março de 2022.
Um aldeão, de nome Alou Diallo, conhece, em primeira mão, a destruição que, muitas vezes, segue as pegadas do Grupo Wagner. Este ano, o grupo invadiu a sua aldeia no centro do Mali, incendiando casas e alvejando pessoas suspeitas de serem extremistas.
Diallo correu para um lugar seguro, mas o seu filho não teve a mesma sorte. Foi baleado enquanto fugia e acabou no chão.
“Vi o meu filho de 16 anos morrer,” disse Diallo à The Associated Press, em Bamako, para onde fugiu, para um campo de refugiados. “Quero muito que a paz regresse e que as coisas voltem ao normal. Aqui em Bamako, vivo uma vida que não escolhi.”