EQUIPA DA ADF
Enquanto ocorria uma guerra civil brutal na vizinha Libéria, em 1991, a corrupção e as fraquezas do governo da Serra Leoa, já de longa data, empurravam o país cada vez mais próximo da catástrofe. Quando as forças da Frente Patriótica Nacional da Libéria (NPFL, sigla inglesa), de Charles Taylor, atravessaram a fronteira naquele mês de Março, a Serra Leoa em pouco tempo viu-se debaixo de ataques em duas frentes.
Enquanto o seu exército batalhava contra a NPFL, a Serra Leoa também esteve debaixo de ataques da Frente Revolucionária Unida (FRU), um grupo de guerrilha rebelde, bem armado e com bons recursos financeiros, liderado por Foday Sankoh, um antigo cabo do exército que encontrou uma causa comum com os liberianos invasores. A guerra civil tinha chegado a Serra Leoa.
O exército nacional mal equipado, enfraquecido pela corrupção institucional e com uma economia precária, foi incapaz de acabar com a FRU. Até 1994, a FRU controlava as minas lucrativas de diamante e ameaçava a capital, Freetown. Em 1997, um grupo denominado Conselho Revolucionário das Forças Armadas tinha-se juntado ao campo de batalha.
Os complicados confrontos continuaram por muitos anos e incluíram algumas das mais notáveis brutalidades da guerra moderna quando as tropas governamentais e os rebeldes mutilaram civis. O governo contratou uma empresa de segurança privada para ajudar a virar o jogo. Mesmo assim, as lutas continuaram por muito mais anos. Seria necessária uma intervenção internacional das forças das Nações Unidas, britânicas e guineenses a lutarem juntamente com o exército da Serra Leoa para acabar com o conflito, em 2002, depois de impedir que a FRU tomasse a capital. Os 11 anos de guerra civil deslocaram 500.000 pessoas e causaram a morte de outras 50.000.
Se calhar nenhum outro país já esteve em maior necessidade de uma reforma do sector de segurança (RSS) do que a Serra Leoa, depois do seu conflito punitivo. A guerra deixou expostas todas as fraquezas, negligências e deficiências de um exército nacional incapaz de responder de forma eficaz e profissional às ameaças de segurança e proteger as suas fronteiras. Depois da guerra, o país desarmou 72.490 combatentes, desmobilizou 71.043 e reintegrou 63.545, incluindo 6.845 crianças combatentes, de acordo com a Rede Global de Facilitação para a RSS.
O processo de RSS pós-guerra do país serviu de exemplo positivo para outros países que saíam de conflitos e se deparavam com a necessidade de reconstruir os sectores de segurança nacionais. Uma revista da ONU declarou que “a experiência da Serra Leoa não é apenas uma grande realização nacional, mas também um modelo brilhante no qual os países da África Ocidental e do Sahel podem se inspirar.”
TRANSFORMAÇÃO EM VEZ DE REFORMA
A RSS provavelmente é melhor quando vai além de uma mera reforma para uma transformação total, de acordo com um artigo de Sarah Detzner, intitulado “Reforma moderna pós-conflito do sector de segurança em África: Padrões de sucesso e fracasso,” publicado na revista African Security Review. O esforço deve ser inclusivo e deve enfatizar o controlo civil e constitucional bem como “promover o profissionalismo, melhorar a utilização dos recursos e a eficiência operacional.”
O sucesso da Serra Leoa parece comprovar o valor de ter em consideração a população em geral e focalizar-se numa segurança mais abrangente, através do desenvolvimento económico e da criação de capacidade da polícia em vez de um foco mais tradicional sobre os exércitos nacionais, escreveu Detzner.
Esta abordagem foi enfatizada pelo Brigadeiro-General na reforma, Kellie Hassan Conteh, que trabalhou na RSS da Serra Leoa como director do secretariado do Conselho de Segurança Nacional, agora como Ministro de Defesa daquele país. Num painel de debate de 2010 sobre a RSS na África Ocidental para o Centro de Controlo Democrático das Forças Armadas de Genebra, Conteh partilhou alguns pormenores da abordagem da Serra Leoa.
Quando começou o processo, os líderes olharam para a história do país e tiveram em conta vários pontos de grande interesse.
Primeiro, os oficiais queriam redefinir a segurança. Até àquele momento, o sector de segurança da Serra Leoa era essencialmente um vestígio da era colonial, através do qual o exército existia principalmente para proteger o regime no poder. Até ao momento da e durante a guerra civil, contou Conteh, a população pensava que o exército e a polícia a tinham desiludido e que não havia acesso à justiça.
“Por isso, nós queríamos olhar para ela de forma holística,” disse Conteh num painel de debate. “O que queremos realmente dizer com segurança?”
Os oficiais perguntaram à população, não aos tecnocratas. “A definição que obtivemos deixou o exército particularmente chocado, porque compreenderam que tinham um pequeno ou nenhum papel a desempenhar,” disse Conteh. “A maior parte do que realmente precisávamos ver eram questões internas, por conseguinte, precisávamos de uma força policial forte e não um exército forte. O exército, sim, deve existir caso a polícia, por vezes, queira solicitar os seus serviços.”
Resumindo, “a nossa conclusão ali foi que a nossa segurança era assunto de todos,” disse Conteh. “Todos nós temos um papel a desempenhar.”
A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA
A Serra Leoa compreendeu que as lacunas da inteligência eram um grande problema. Antes da guerra civil, o aparelho da inteligência nacional apenas protegia o governo em exercício. Durante a guerra, nenhuma inteligência confiável podia ser produzida. Conteh contou que os oficiais formaram um comité para ajudar a recolher informações úteis e alimentar a cadeia com uma nova arquitectura inclusiva que até envolvia entidades locais, como chefes de clãs, mulheres, grupos da sociedade civil e líderes juvenis.
No passado, disse, as pessoas estavam condicionadas a olhar para a segurança como “um assunto do governo.” Mudar esta forma de pensar — “democratizar” a segurança humana — ajudou a Serra Leoa a abordar problemas de segurança como o tráfico de armas, drogas e seres humanos.
O Gabinete de Segurança Nacional (ONS, sigla inglesa) da Serra Leoa criou contactos a nível nacional que permitem que civis possam denunciar ameaças, de acordo com Detzner. Estas ligações levaram a que houvesse uma revisão da segurança com um elemento consultivo forte. Os residentes locais comunicaram sobre as preocupações de segurança nas suas regiões, o que fez com que o foco estivesse mais na polícia em relação a mais tradicional capacitação militar.
Apenas gastar dinheiro em formações militares não garante uma boa RSS. Na verdade, pode funcionar contra a verdadeira reforma. Uma publicação de um blog de Outubro de 2020, feita por John Campbell para o Conselho de Relações Exteriores, destaca um ponto importante sobre uma RSS eficaz: focalizar-se na formação e equipamento à custa de reformas institucionais não resolve o problema.
Um foco como este arrisca-se a “fortalecer os sectores de segurança irresponsáveis, corruptos e predadores” e gasta dinheiro em equipamento e materiais insustentáveis, escreveu Campbell. Pelo contrário, uma abordagem holística que se centra nas instituições possui mais potencial para a durabilidade.
Isso assemelha-se mais ao que aconteceu na Serra Leoa. Os esforços de transformação alcançaram a segurança interna e externa e criaram agências — como o ONS — que ajudou a garantir o fluxo livre de informações de segurança, do nível local ao gabinete do presidente, de acordo com a edição de Julho de 2017 da revista electrónica, UNOWAS, uma publicação trimestral dos Escritórios da ONU para a África Ocidental e o Sahel. Os esforços “deram início à difícil tarefa de contrariar as suspeitas do público sobre as forças de segurança e envolver os cidadãos na sua própria segurança.”
“Para o melhor ou para o pior, a guerra agiu como um catalisador para tirar o foco da segurança para longe da ênfase exclusiva nas forças de segurança uniformizadas (exército e polícia), passando a centrar-se na segurança pessoal dos indivíduos,” escreveu Conteh em 2010 no artigo intitulado “Reforma do Sector de Segurança na Serra Leoa 1997–2007: Pontos de Vista da Linha da Frente.”
Dentro de cinco anos depois do fim da guerra civil, a Serra Leoa realizou as suas primeiras eleições pacíficas nacionais depois de 20 anos, e os observadores descreveram como sendo “livres, justas e credíveis,” disse a ONU. A conduta ordeira da votação foi essencialmente garantida pelas próprias forças de segurança do país.
“Visto no contexto do nível de violência experimentada pelo povo da Serra Leoa durante a guerra civil, que durou 11 anos, o facto de a Serra Leoa ter realizado estas eleições que, em termos gerais, foram livres de violência, apenas cinco anos depois do fim do conflito, é um feito notável,” de acordo com a ONU.
O trabalho árduo daquele país na reconstrução das suas instituições de segurança foi validado em Abril de 2013, quando 850 tropas do Contingente da Serra Leoa, Leobat 1, iniciaram o destacamento de 20 meses para a Missão da União Africana na Somália (AMISOM).
O batalhão foi o primeiro do seu género na Serra Leoa desde o fim da guerra civil daquele país. Aquele país da África Ocidental continua a ser o único da sua região a enviar soldados para a componente militar da AMISOM. O país também já enviou pessoal da polícia para servir na Somália.
“Agora somos participantes dos esforços mundiais de consolidação da paz,” Tenente Salieu Sankoh, das Forças Armadas da República da Serra Leoa, disse num vídeo da ONU, em 2013. “É claro que, durante os nossos próprios 10 anos de guerra civil, pessoas de vários países vieram apoiar os nossos esforços de consolidação da paz. Agora que temos a oportunidade de retribuir isso, estamos muito felizes.”