EQUIPA DA ADF
À medida que se aproxima da sua conclusão, a Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD) continua a alimentar relações tensas entre a Etiópia e o Egipto, tensões que vão para além da energia ou da irrigação até ao coração da auto-identidade de cada país, de acordo com os analistas.
A Etiópia anunciou recentemente que a barragem de 4,2 bilhões de dólares, também conhecida como GERD, está 90% concluída. A Etiópia concluiu o terceiro enchimento da barragem e começou a produzir energia em Agosto de 2022.
A barragem, que é a maior de África, está situada a cerca de 45 quilómetros da fronteira da Etiópia com o Sudão. A Etiópia encara o projecto hidroeléctrico como uma parte vital da campanha para tirar a sua população da pobreza e para criar uma identidade nacional unificada.
A Etiópia também afirma que a GERD irá beneficiar os seus vizinhos a jusante, controlando as inundações sazonais que podem afectar Cartum, onde o Nilo Azul se encontra com o Nilo Branco (vindo do norte do Lago Vitória) para formar o Nilo. Os países vizinhos também poderão comprar o excesso de energia da barragem.
A jusante, a visão da GERD é diferente. Em Março, o Egipto disse às Nações Unidas que a barragem é uma ameaça existencial para o Egipto e para o Sudão.
A partir do momento em que o projecto começou a funcionar, em 2011, o Egipto denunciou repetidamente a barragem como uma ameaça à sua segurança nacional e ao seu sector agrícola, que depende do Nilo para irrigação. As autoridades egípcias dizem que a barragem permitiria à Etiópia obstruir o Nilo em caso de conflito internacional.
Ainda recentemente, em meados de Março, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto, Sameh Shoukry, advertiu nos seguintes termos: “Todas as opções estão abertas e todas as alternativas continuam disponíveis, e o Egipto tem as suas capacidades”, de acordo com o The East African.
No passado, o Egipto insinuou o recurso a ataques militares para interromper a construção da barragem. Segundo Timothy Kaldas, vice-director do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente, isso é pouco provável agora.
Um ataque à barragem causaria agora inundações devastadoras a jusante no Sudão, um aliado egípcio, disse Kaldas à DW.
“A janela para qualquer possível ataque à barragem está encerrada,” acrescentou.
Apanhado entre o Egipto e a Etiópia, o Sudão vacilou na sua posição sobre a GERD. Muito recentemente, o Ministro das Finanças do Sudão, Gibril Ibrahim, disse à Agência Etíope de Notícias (ENA, na sigla inglesa), gerida pelo Estado, que a barragem irá desempenhar um papel importante no crescimento económico da região.
“Achamos que a barragem vai-nos ajudar a ter energia barata a partir da Etiópia”, disse Ibrahim à ENA.
As tensões sobre o futuro da GERD vão muito além da questão da geração de energia ou irrigação agrícola, de acordo com Gashaw Ayferam, pesquisador do Instituto de Relações Exteriores da Etiópia.
De acordo com Ayferam, a GERD também criou a percepção pública do Nilo como motor do desenvolvimento etíope e a base de uma identidade nacional unificadora.
“O rio — que foi uma fonte de divisão no passado — é agora utilizado pela elite governante para unificar a população sob uma ‘nova etiopiedade’ socialmente construída com a GERD no centro,” escreveu recentemente Ayferam para o Fundo Carnegie para a Paz Internacional.
A Etiópia diz que a GERD irá gerar electricidade suficiente para fornecer 70% dos seus 110 milhões de cidadãos, o que a torna uma componente crucial do plano do governo para elevar o seu nível de vida. O Banco Mundial classifica a Etiópia como o 23º país mais pobre do mundo.
Para o Egipto, o debate sobre a GERD evoca milhares de anos de história durante os quais o Nilo desempenhou um papel central na identidade cultural e nacional do Egipto, escreveu Ayferam.
A própria Represa Alta de Assuão, do Egipto, que foi construída entre 1960 e 1970, serve um propósito semelhante ao da GERD, com o papel adicional de irrigar vastas terras agrícolas nas proximidades. O Nilo fornece 97% da irrigação do Egipto.
Enquanto os observadores apelam para que a União Africana encontre uma solução para o impasse, um estudo recente levado a cabo por investigadores da Universidade de Manchester sugere que a GERD pode ser um benefício regional para todos os países envolvidos, mas apenas se eles estiverem dispostos a reduzir o seu exacerbado sentimento nacionalista.
“A formulação baseia-se num comportamento cooperativo em que os países ribeirinhos consideram os interesses uns dos outros através de medidas adaptativas,” escreveram os investigadores.
Até agora, porém, nenhum dos países chegou a qualquer acordo sobre a GERD e o Nilo.
“A política interna em cada um destes países baseia-se na desconfiança, na política textual vencedora e no domínio do conflito,” Adam Kassie Abebe, oficial de programa do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral, disse recentemente à Al-Jazeera. “Eles têm de conversar. É necessário.”