Forças Armadas Educadas e Geridas por Civis
Constituem Uma Presença Estabilizadora em Qualquer País
Nos bastidores da Cimeira de Líderes EUA-África, em Washington DC, o Centro de Estudos Estratégicos de África realizou um diálogo com oficiais seniores de segurança africanos, no dia 14 de Dezembro de 2022. A ADF editou o relatório do ACSS em termos de extensão e para se adequar ao formato da revista.
“As forças armadas, em muitos países africanos, representam uma ameaça à segurança pela sua falta de profissionalismo militar.”
Esta foi a avaliação do General Mbaye Cissé, conselheiro nacional de segurança do presidente do Senegal, quando proferia um discurso perante os oficiais de segurança seniores de 30 países africanos num diálogo, no Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), debatendo o profissionalismo e a educação militar, no dia 14 de Dezembro de 2022.
Para além do discurso de Cissé, o diálogo contou com subsídios da Secretária do Exército dos EUA, Christine Wormuth, e do comandante do Comando dos Estados Unidos para a África, General Michael Langley.
Entre 2020 e finais de 2022, África experimentou sete golpes de Estado militares e seis tentativas de golpe de Estado, subvertendo a tendência de duas décadas de redução de golpes de Estado no continente. Em risco está um regresso ao período conhecido como as “décadas perdidas” de África, uma era que parte de 1960 a 1990, que experimentou 82 golpes de Estado e foi caracterizada por má governação, desenvolvimento estagnado, corrupção, impunidade e instabilidade.
Alarmado pelo crescente número de recentes golpes de Estado, a União Africana promoveu uma cimeira sobre a questão, em Maio de 2022.
Em Dezembro de 2022, os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) comprometeram-se em criar uma força regional para restaurar a ordem constitucional nos Estados-membros que enfrentam golpes de Estado.
O profissionalismo militar é uma forma de garantir segurança de forma eficaz para os cidadãos, de um modo que haja o Estado de direito e salvaguarde os direitos humanos. Para se alcançar isso, é necessário haver ligações fortes com as comunidades locais e um compromisso de formar as forças armadas sobre as suas responsabilidades para com a sociedade.
Cissé disse que “existe uma correlação entre a eficácia do exército e a relação entre o exército de um país e o público.” A fundamentação é que o apoio militar de interesses da comunidade edifica a confiança. Esta confiança mitiga o surgimento do extremismo violento e facilita mais respostas eficazes contra as ameaças à segurança. “Um exército que não investe na educação e na ética para com a população paga o preço em termos de segurança,” acrescentou.
Legado de Repressão
O profissionalismo pode ser um desafio particular para os exércitos africanos por causa do legado do colonialismo. “Um aspecto da herança do colonialismo é que a principal missão das forças de segurança era a repressão,” disse Cissé. “As forças não estavam unidas, eram artificiais e estavam muito presentes na arena política. Esta é uma desvantagem contínua.”
Por esta razão, os líderes das forças do exército do continente devem fazer um esforço dedicado para fortalecer e sustentar o profissionalismo militar. Este profissionalismo não emerge por acaso, mas é um resultado de dedicação. Deve ser reforçado, refinado e perpetuado constantemente.
Algo central para a criação de uma cultura de profissionalismo no exército é fomentar no seio dos soldados, desde o escalão mais baixo até ao oficial de maior patente, os valores e princípios fundamentais da sociedade. Valores como a integridade, honra, experiência, sacrifício e respeito pelos cidadãos não emergem necessariamente de forma natural, mas devem ser ensinados e actualizados de forma regular.
Aproximadamente todos os exércitos fornecem treinos e exercícios tácticos, criando competências fundamentais. Contudo, muitos têm falta de uma estratégia intencional para criar um conjunto de valores fundamentais. A criação de tais valores partilhados tem um efeito modificador poderoso, amplificando a coesão e a eficácia das forças.
Wormuth observou que no exército dos EUA, oficiais-generais regularmente participam em programas de desenvolvimento profissional, incluindo um processo contínuo de fomentar os valores do profissionalismo e criar oportunidades de desenvolvimento de liderança para os subordinados.
Cissé destacou “a importância de ensinar aos oficiais do exército o valor da democracia e o papel de um exército no seio de uma sociedade democrática.” Estes valores devem ser aprendidos e não podem ser menosprezados, especialmente em países sem uma tradição democrática forte.
Existe um papel da comunidade democrática internacional de ajudar a lançar a democracia e o ethos do profissionalismo militar em África, disse Cissé. “Quando as organizações regionais africanas impõem sanções contra os golpes de Estado, é importante que as comunidades democráticas internacionais sigam o mesmo passo e apoiem as sanções.”
O Senegal enfatizou os serviços públicos como um valor fundamental, através da sua “armée-nation,” o envolvimento do seu exército em projectos de infra-estruturas, saúde e educação a nível comunitário. Ao apoiar a segurança humana, o exército também está a reforçar as normas de comportamento ético para com os cidadãos.
Incorporando Valores
O ensino militar profissional (EMP) é um veículo primário através do qual o ethos do profissionalismo militar pode ser institucionalizado. Diferentemente da formação, que se centra em habilidades tácticas e proficiências operacionais, o EMP visa cultivar liderança, visão estratégica e valores éticos.
A experiência de Langley é de que o EMP é particularmente vital para “enfatizar os valores democráticos, incluindo promover o Estado de direito, especialmente em conflitos.” Da mesma forma, o EMP é fundamental para incutir o respeito pelo controlo civil. Os dois são complementares, visto vez que a liderança e os valores ganhos através do EMP possibilitam que os oficiais do exército sejam bons conselheiros de líderes civis.
Cissé disse que “sem o EMP, não haverá estabilidade.” Ele alertou que o EMP deve centrar-se nas prioridades fundamentais de uma sociedade. Eles precisam de ser práticos e relevantes para o contexto nacional. No Senegal, sente ele, o EMP constitui um meio essencial para a criação de um exército que defende as instituições democráticas.
O recrutamento e a promoção baseados no mérito constituem um outro meio através do qual o profissionalismo militar pode ser institucionalizado. O padrão de recrutamento predominantemente a partir dos laços étnicos do presidente, visto em alguns exércitos africanos, cria uma cadeia de comando mais leal ao presidente do que à Constituição.
Forças armadas com preconceito étnico não têm confiança popular, legitimidade e competência das forças baseadas no mérito, o que impede a sua eficácia. A selecção para as instituições do EMP, disse Cissé, tem de ser baseada no mérito, com exames em que os oficiais devem passar para serem promovidos.
Cissé caracterizou o recente retrocesso do profissionalismo militar em África como uma prova de que o EMP precisa de ser reavaliado e reorientado.
“Temos muitas academias de EMP em África, mas precisamos de repensar o conteúdo que elas ensinam,” disse. “Neste sentido, os institutos de EMP não são suficientes. Nem existem recursos suficientes disponíveis para os apoiar.”
Os líderes civis e militares possuem papéis fundamentais para garantir a tomada de decisões de forma segura, embora sejam diferentes e complementares. Os líderes civis democraticamente eleitos são responsáveis por estabelecer uma visão estratégica e política para os interesses de segurança de um país. Os líderes militares são, por conseguinte, responsáveis por implementar esta orientação de forma tanto quanto eficaz e profissional possível. Os decisores finais são os líderes civis.
Cissé destacou a importância de o papel do exército ser claramente definido. “É a ausência de limites claros entre as arenas política e militar que leva ao decréscimo da estabilidade.”
Wormuth disse que “os civis trazem perspectivas diferentes e fazem perguntas diferentes em relação aos líderes militares. Os civis também trazem sensibilidades do mundo de fora para a tomada de decisões do exército.”
Por fim, “os líderes militares precisam de confiar na tomada de decisões dos civis,” de acordo com sistemas democráticos, disse Wormuth. “Os civis têm o direito de estar errados. A sua tarefa é tomar decisões — e posteriormente serem responsabilizados.”
De forma resumida, relações civis-militares eficazes são um processo de duas vias que exigem manutenção regular.
A segurança é essencial para o fortalecimento da democracia e do desenvolvimento económico em África. Com a maior parte de conflitos africanos e ameaças à segurança dos cidadãos a emergirem de crises políticas domésticas, o profissionalismo militar pode ser um factor estabilizador indispensável.
“Queremos que os exércitos africanos sirvam o público,” disse Cissé. “Queremos que os exércitos africanos sejam autónomos, responsáveis e que respeitem os valores democráticos. Se não o fizerem, estaremos constantemente a reiniciar e não teremos estabilidade.”
Um ExОrcito Profissional О Um Activo
Num relatório de 2015, “As Forças Armadas: Papéis e Responsabilidades de Uma Boa Governação do Sector de Segurança,” o Centro de Genebra para Governação do Sector de Segurança alistou os seguintes benefícios de ter um exército profissional:
- Provisão mais eficaz de segurança nacional e dos cidadãos.
- Oficiais militares politicamente neutros.
- Forças armadas nacionais e republicanas.
- Visão, missão e papel de cada organização de segurança claramente definido.
- Maior capacidade de resposta às prioridades de segurança nacional.
- Mais eficiência no alinhamento e no uso de recursos e maior apoio legislativo e público para financiar o exército.
- Forças de segurança que cumprem a lei, respeitam os direitos humanos e são responsáveis perante um código de conduta militar e uma supervisão civil.
- Melhoria da confiança pública, respeito e apoio pelas forças de segurança.