EQUIPA DA ADF
O Presidente do Quénia, William Ruto, pediu à China mais um bilhão de dólares em empréstimos para concluir projectos paralisados, numa altura em que enfrenta um momento de ajuste de contas com bilhões de empréstimos chineses anteriores que vencem no próximo ano.
O Quénia deve actualmente à China 6,3 bilhões de dólares, a maior parte dos quais para a construção da Linha Férrea de Bitola Padrão (SGR), estimada em 5,5 bilhões de dólares, que liga Mombaça ao Vale do Rift. A linha férrea devia pagar-se a si própria através do transporte de mercadorias entre a costa e os países sem litoral, como o Uganda.
O estudo de viabilidade realizado pela China, que serviu de base ao projecto, afirmava que a linha ferroviária seria rentável se movimentasse 20 milhões de toneladas métricas de carga por ano, ou seja, 20 comboios por dia — mais do dobro da capacidade operacional real da linha, de acordo com um estudo do Instituto de Investigação e Análise de Políticas Públicas do Quénia.
Depois de o Uganda se ter retirado do projecto ferroviário, este ficou muito aquém das projecções, tanto literal como figurativamente. A linha férrea termina no meio de um campo a oeste da cidade de Naivasha, a cerca de 300 quilómetros do ponto de passagem fronteiriço previsto. Seis anos após o seu lançamento, a linha férrea atingiu os 20 comboios diários, mas continua a estar muito aquém do volume de mercadorias necessário para ser rentável.
De acordo com as condições do empréstimo, o Estado é obrigado a reembolsar os empréstimos da linha férrea se esta não o conseguir fazer.
“A SGR, tal como está, é um fracasso,” disse o economista Aly Khan Satchu à Associated Press. “Para ser sustentável, é necessário ligar o petróleo do Uganda ao mar.”
Os empréstimos chineses do Quénia representam 64% da sua dívida bilateral, uma categoria de empréstimos concedidos por duas partes e não por instituições multilaterais como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional. A dívida chinesa inclui predominantemente empréstimos efectuados através de instituições comerciais como o ExIm Bank da China. Isso significa que é pouco provável que sejam perdoados, mas podem ser renegociados para prolongar o período de reembolso.
Ruto tencionava tentar obter um calendário de reembolso mais lento quando visitou a China em Outubro, no âmbito do 10º aniversário da Iniciativa do Cinturão e Rota da China. A iniciativa construiu uma série de grandes projectos de infra-estruturas em toda a África, enquanto inundava o Quénia e muitos outros países do continente com enormes montantes de dívida.
A dívida total do Quénia cresceu acentuadamente na última década, passando de 38% do produto interno bruto (PIB) em 2012 para os actuais 67% do PIB — um nível que o Banco Mundial e o FMI consideram um risco elevado de criar dificuldades financeiras.
De acordo com a agência internacional de notação de obrigações Fitch, os pagamentos totais da dívida do Quénia aumentaram de 2,8 bilhões de dólares em 2023 para 4,3 bilhões de dólares no actual exercício orçamental, que termina em Junho de 2024. O pagamento da dívida representa mais de um sexto do orçamento nacional de 24,4 bilhões de dólares.
Os analistas financeiros internacionais afirmam que o Quénia parece ser capaz de manter os pagamentos da sua dívida a curto prazo, mas poderá correr o risco de incumprimento até 2025. A empresa de análise IHS Markit coloca as probabilidades de um incumprimento queniano em 35%.
A queda do valor do xelim queniano está a provocar o aumento das dívidas do país. Apesar disso, em Junho, o Ministro das Finanças, Njuguna Ndung’u, afirmou que o Governo pagará as suas contas quando chegar o tempo.
A ameaça de pagamento de empréstimos avultados levou Ruto a limitar as viagens oficiais e a exigir que os ministros do seu governo reduzissem os seus orçamentos em 10%. Ruto também aumentou os impostos sobre os combustíveis e a habitação para gerar receitas para o pagamento da dívida. As tarifas de transporte de passageiros na SGR também aumentarão de 30% a 50%.
Em Julho de 2023, o pagamento semestral da dívida da SGR do Quénia à China atingiu 356 milhões de dólares, o que representa quase 80% do pagamento da dívida de 451 milhões de dólares desse mês, informou o governo.
Mesmo quando Ruto procura mais dinheiro da China, Karuti Kanyinga, investigador do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Universidade de Nairobi, avisa que o Quénia pode estar a encurralar-se financeiramente.
“A moeda do Quénia está a desvalorizar-se,” disse Kanyinga à Africa News. “Por isso, estamos a pagar muito caro. A maior parte dos nossos rendimentos vai, de facto, para o pagamento de empréstimos chineses. Isso não é sustentável.”