EQUIPA DA ADF
Face aos protestos internacionais sobre o abate indiscriminado de pangolins para o uso na medicina tradicional chinesa (MTC), a China disse que protegeria este animal, que é a maior vítima da caça furtiva no mundo.
Mas a Agência de Investigação Ambiental (EIA), uma organização de fiscalização ambiental, diz que pouco mudou desde então.
“A China tomou algumas meias medidas, mas não chegou a tomar as medidas conclusivas de banir o uso das escamas de pangolim na medicina,” Chris Hamley, um activista sénior para a protecção do pangolim na EIA, disse ao The Guardian. “Dado o comércio ilegal massivo e a existência de leis fracas internamente, é muito provável que as empresas farmacêuticas estejam a utilizar escamas ilegais.”
No seu relatório, intitulado “Fumo e Espelhos”, a EIA descobriu 221 empresas chinesas autorizadas a vender mais de 60 produtos contendo escamas de pangolim, incluindo medicamentos não sujeitos à receita médica. Os seguros de saúde chineses ainda cobrem tratamentos com recurso a escamas de pangolim.
“Enquanto as escamas de pangolim estão a ser utilizadas na MTC, as maiores escamas de pangolim estão a ser desviadas para o comércio de produtos de ornamentação e utilizados como jóias,” disse Hamley, num debate no Zoom, organizado pela Environmental Reporting Collective.
Muitas das escamas de pangolim grandes são provenientes de África, que se tornou num novo epicentro do tráfico do pangolim, visto que a procura da China já dizimou a sua própria população de pangolins assim como os do Sudoeste Asiático.
Em 2015, a China actualizou a classe do pangolim doméstico para uma espécie de Classe 1.
“Isso não proíbe a venda de partes de pangolim, mas faz com que o processo de autorização seja mais difícil,” Sam Wasser, director do Centro de Biologia de Conservação, da Universidade de Washington, disse à ADF. Wasser trabalha intimamente ligado com a EIA e grupos em África para fazer a monitoria do tráfico de escamas de pangolim, marfim e outros tipos de partes de animais procurados.
Os adeptos da MTC dizem que as escamas de pangolim curam uma série de problemas desde artrites até ajudar novas gestantes a produzir leite. São consumidas em forma de sopa ou moídas e tomadas em forma de comprimido. As escamas de pangolim são compostas de queratina, o mesmo material encontrado no cabelo, nos chifres e nas unhas.
A carne de Pangolim é uma iguaria para algumas pessoas na China. Uma hipótese teórica sobre a origem do vírus é de que um pangolim no Mercado de Wuhan, China, foi a ponte que permitiu que a COVID-19 passasse de morcegos para seres humanos.
Em 2016, os 186 países que fazem parte da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies em Vias de Extinção (CITES) baniu a comercialização de pangolins. Mesmo assim, o tráfico continua. Tim Davenport, director de conservação de espécies da Sociedade Mundial de Conservação, na Tanzânia, diz que a CITES não tem sido capaz de fazer cumprir a proibição.
“A China possui um enorme alcance global e influência económica e política. Praticamente, é isso o que acontece em muitas partes de África,” disse Davenport à ADF. “Quando se juntam todos estes factores, fica clara a razão pela qual a CITES, muitas vezes, é incapaz de fazer o que muitos gostariam que ela fizesse.”
A CITES restringe o comércio internacional, o que possibilita que as autoridades chinesas roubem escamas, partes do corpo e outro tipo de contrabando, caso apareçam nas fronteiriças oficiais — algo que Wasser diz que parece ser raro. É mais provável, disse ele, que os contrabandistas tragam escamas e outros itens de países vizinhos através de rotas não oficiais e não marcadas.
“Parece que é desta forma que estas grandes encomendas de contrabando de vida selvagem chegam ao país,” disse Wasser.
Neste caso, a China precisa de criar leis que proíbam a venda de itens ilegais, sugeriu.
Rendendo-se às preocupações do público quanto a uma possível extinção de pangolins, o governo chinês removeu recentemente as escamas de pangolim das suas listas oficiais de ingredientes aprovados da MTC, embora as tenha deixado nos anexos.
Apesar disso, os praticantes da MTC continuam a utilizar as escamas de pangolim, a partir daquilo que os líderes chineses descrevem como sendo as reservas nacionais, reservas estas que a EIA descreve como sendo “sem fundo.”
A especulação de que os chineses estão a alimentar o mercado da MTC através da criação de pangolim em cativeiro — algo que ninguém jamais conseguiu fazer — é um absurdo, disse Wasser.
“A alternativa é de que eles têm reservas de escamas de pangolim em grandes quantidades, o suficiente para que estejam a disponibilizar 25 toneladas por ano, ano após ano, continuamente,” acrescentou. “Isso, por si só, parece ser difícil de acreditar.”
Acrescente-se a isso aproximadamente 100.000 pangolins que são caçados a cada ano, na sua grande maioria em África, e a pergunta que surge é: para onde vai todo este material?
“A China é certamente o maior mercado,” concluiu Wasser. “Então, é razoável suspeitar que é para lá onde vai a maior parte desta quantidade.”