EQUIPA DA ADF
Analistas militares afirmam que a decisão do governo de Mali de convidar os mercenários do Grupo Wagner, da Rússia, para o país pode ser contraproducente e provocar mais instabilidade. O histórico do Grupo Wagner em outros países mostra que os seus combatentes poderão provavelmente não estar preparados para a missão do Sahel e tentar realizar uma campanha pesada de combate às insurgências, que pode incluir violações de direitos humanos e mortes indiscriminadas.
De acordo com a Reuters, o governo de Mali, liderado pelo Coronel Assimi Goïta, concordou em pagar ao Grupo Wagner aproximadamente 11 milhões de dólares por mês para fornecer até 1.000 combatentes para treinar e dar assessoria ao exército do Mali, proteger os oficiais do governo de alta patente e lutar contra os extremistas que operam no norte do país.
O acordo de Mali é semelhante a um que foi feito com a República Centro-Africana (RCA), onde os combatentes do Grupo Wagner servem como conselheiros e seguranças do presidente Faustin-Archange Touadéra. Contudo, a presença do Grupo Wagner na RCA exacerbou as questões de segurança daquele país, com acusações de violações de direitos humanos e uso de minas terrestres nas estradas e zonas de civis. Membros do exército da RCA dizem que têm recebido poucos treinos, uma vez que os mercenários do Grupo Wagner concentram-se em tentar lutar contra os rebeldes Séléka por si próprios, desconsiderando o impacto que isso poderá causar sobre as populações civis ao redor.
O Grupo Wagner já foi acusado de mortes extrajudiciais, tortura e estupro na RCA. O grupo também trouxe grupos afiliados que recebem contratos mineiros do governo para extrair recursos naturais.
O mesmo já utilizou um modelo semelhante em Madagáscar, Moçambique e Sudão, com resultados desastrosos. Em Moçambique, os combatentes do Grupo Wagner rapidamente demonstraram ser ineficazes, devido à falta de experiência cultural, habilidade da língua e experiência de combate necessárias para realizar, de forma eficaz, a guerra contra os insurgentes. Depois da perda de 7 mercenários do Grupo Wagner vítimas de emboscadas e operações malfeitas, decidiu-se por retirar rapidamente o grupo da região.
Observadores afirmam que é muito provável que esse padrão se repita no Mali.
“Os malianos estão compreensivelmente fatigados pela constante instabilidade e podem ser tentados pela miragem de 1.000 mercenários a trazerem estabilidade,” escreveram Joseph Siegle e Daniel Eizenga, do Centro de Estudos Estratégicos de África. “Infelizmente, a estabilidade não é o que o Grupo Wagner trouxe — na Líbia, RCA, Moçambique ou Ucrânia.”
No Mali, não houve protestos públicos, mas a opinião política em relação à possibilidade de intervenção do Grupo Wagner encontra-se dividida.
De acordo com Boubacar Haidara, um professor da Universidade de Ségou, Mali, muitos líderes políticos da oposição e grupos da sociedade civil no país estão preocupados com a possibilidade de um acordo com o Grupo Wagner.
“Não existem melhorias em termos de segurança, muito pelo contrário,” Haidara disse à revista World Politics Review.
Entre aqueles que se opõem ao envolvimento do Grupo Wagner encontra-se a Coordenação dos Movimentos de Azawad, uma associação de antigos rebeldes árabes e Tuaregues do norte do Mali. O grupo disse que a abertura do governo para com os russos ameaça o acordo de paz de 2015 de Mali.
A decisão de Mali de envolver os mercenários do Grupo Wagner também foi alvo de críticas pelos membros da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Em Setembro, a CEDEAO ameaçou impor sanções contra o governo de Goïta por não avançar em direcção ao governo civil no início deste ano.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade, Cherif Mahamat Zene, também alertou contra a ideia de empregar o Grupo Wagner, notando que os combatentes deste grupo treinaram os rebeldes que mataram o presidente chadiano, Idriss Déby, em Abril.
Como membro da Convenção da UA sobre a Eliminação do Mercenarismo, que entrou em vigor em 1985, o Mali está proibido de empregar mercenários. O Grupo Wagner atribuiu os seus combatentes a designação de “conselheiros” para dar a volta à proibição do uso de mercenários no Mali.
Críticos afirmam que Goïta continua a desafiar a Constituição do Mali e os apelos da CEDEAO para a transição para a democracia. Na essência, uma liderança irresponsável está a contratar mercenários irresponsáveis.
“Os mercenários russos, embora dêem ao Kremlin a desejada possibilidade de negação caso as coisas não derem certo, são uma receita para o desastre,” escreveu a analista de assuntos internacionais, Hilda Nassozi Mukiibi, da revista ugandesa The Independente.