EQUIPA DA ADF
O medicamento antiparasitário ivermectina continua a ser um tratamento popular para a COVID-19 apesar da falta de provas que atestem o seu uso.
Uma nova análise feita por uma equipa internacional de pesquisadores sugere que a fé na ivermectina tem sido motivada por estudos defeituosos que foram a base para outras pesquisas da ivermectina.
“A principal questão é que muitos desses estudos são simplesmente falsos,” Dr. Kyle Sheldrick, um pesquisador australiano, disse à BBC World News. “Pode ser que nem sequer foram feitos ou não foram feitos da forma como os autores os descreveram ou apresentaram resultados falsos.”
Sheldrick e outros quatro pesquisadores australianos e britânicos ganharam a reputação de serem “detectives de dados” por examinarem como outros pesquisadores realizaram o seu trabalho numa variedade de assuntos.
A ivermectina, que é utilizada para tratar lombrigas e a cegueira do rio em África tornou-se o foco da desinformação relacionada com a sua eficácia contra a COVID-19, apesar de concordar-se cientificamente e de forma abrangente sobre a sua ineficácia.
“A maior parte das pessoas com experiência científica viram os ensaios iniciais da ivermectina, dispensaram-nos como tendo uma qualidade incrivelmente baixa e deixaram o estudo naquele ponto,” Gideon Meyerowitz-Katz, um epidemiólogo da Universidade de Wollongong e membro do grupo de detectives de dados, disse à ADF. “Foi necessário alguma promoção séria para que a ivermectina pudesse tornar-se o medicamento-maravilha baseado naquilo que agora parece ser estudos fraudulentos.”
A Organização Mundial de Saúde apela que as pessoas evitem tomar a ivermectina para o tratamento da COVID-19, a menos que estejam envolvidos em ensaios médicos. O projecto ANTICOVID, que testa uma variedade de medicamentos que estão prontamente disponíveis contra a COVID-19, ainda se encontra a estudar a ivermectina em combinação com o medicamento antimalárico ASAQ.
Um produtor de ivermectina, a empresa farmacêutica dos EUA, Merck, declarou que não existem provas suficientes de que o medicamento protege contra a COVID-19.
Mesmo assim, as pessoas insistem em utilizá-lo. Na África do Sul, por exemplo, a ivermectina já provocou confrontações entre pacientes que exigiam este medicamento e médicos que se recusavam a prescrevê-lo. Na África do Sul, a ivermectina está licenciada apenas para o uso em gado. Algumas pessoas trataram a si próprios com ivermectina adquirida no mercado negro — e como resultado acabaram em unidades de cuidados intensivos.
Sheldrick e os seus colegas rastrearam alguma parte da desinformação até um estudo conduzido no Egipto no ano passado, um estudo que eles dizem que incluiu informação plagiada, dados duplicados ou questionáveis e resultados não realísticos.
A equipa de pesquisa chegou a estas conclusões através da meta-análise, essencialmente compilando os resultados de muitos estudos numa única avaliação.
Os estudos da ivermectina realizados pelo Dr. Ahmed Elgazzar na Universidade de Benha, no Egipto, levantaram um alerta. O estudo ganhou atenção internacional, porque indicou que 90% das reduções na mortalidade pela COVID-19 entre os seus 600 participantes do estudo, 400 tinham casos activos da doença.
Elgazzar realizou o seu estudo de Junho a Setembro de 2020. O mesmo foi publicado na internet em Novembro, utilizando o sistema de pré-impressão, que publica resultados preliminares de estudos científicos antes de passarem por uma revisão de pares, que é um passo final de grande importância para a verificação de pesquisas científicas antes da sua publicação.
O sistema de pré-impressão foi desenvolvido durante os surtos de Eebola de 2014 a 2016, na África Ocidental para acelerar a pesquisa da doença.
Como o relatório de Elgazzar esteve entre os primeiros e maiores estudos do seu género tornou-se o fundamento para muitos outros estudos da ivermectina.
Examinando dados subjacentes dos estudos de Elgazzar, o colega de Sheldrick, Jack Lawrence, descobriu conteúdo plagiado. Ele também descobriu que alguns dos pacientes utilizados no estudo tinham morrido antes de este ter sido realizado, o que significa que não tinham dado o seu consentimento para poderem participar. Em outros casos, dados de pacientes foram duplicados exactamente em blocos de 18, aparentemente como uma forma de fazer com que participação do seu estudo parecesse superior.
O estudo de Elgazzar também teve falta de um grupo de controlo — pacientes que não receberam ivermectina — que seria o padrão para este tipo de pesquisas.
Por último, o estudo de Elgazzar foi retirado da página da internet da Research Square. Elgazzar tinha dito que não teve oportunidade de defender o seu trabalho, antes de a Research Square ter agido. Ele refuta as afirmações feitas por Sheldrick, Lawrence e seus colegas.
Na altura em que o documento de Elgazzar foi retirado, já tinha estado em circulação há sete meses, sido transferido 100.000 vezes e citado em pelo menos 30 outros estudos e análises da ivermectina e COVID-19.
Como resultado, a pesquisa da ivermectina e COVID-19 foi drasticamente distorcida, de acordo com o grupo de Sheldrick.
Numa carta para a revista Nature, o grupo escreveu: “Vários outros estudos que afirmam haver benefícios clínicos para a ivermectina são da mesma forma preocupantes e contém números impossíveis nos seus resultados, discrepâncias inexplicáveis entre as actualizações do registo dos ensaios e dados demográficos de pacientes publicados, cronogramas hipotéticos não consistentes com a veracidade dos dados recolhidos e fraquezas metodológicas substâncias.”
O estudo de Elgazzar não é o único relatório pró-ivermectina que está a provocar fortes críticas. Estudos feitos na Argentina, no Irão e nos Estados Unidos também foram alvo de problemas semelhantes com os tamanhos das amostras, métodos questionáveis e dados falsificados.
O estatístico britânico Andrew Hill, que trabalhou com os detectives de dados nas suas análises sobre a ivermectina, disse à revista Cosmos que investigar dados brutos que estão por detrás dos estudos pró-ivermectina trouxe à luz grandes preocupações.
“Parece que toda a história relacionada com a ivermectina é um castelo de areia,” Hill disse à Cosmos.