EQUIPA DA ADF
O que começou por ser a aspiração da Etiópia para recuperar o acesso ao Mar Vermelho transformou-se numa ameaça de força contra os seus vizinhos costeiros no final de 2023 e está agora a alimentar receios de guerra.
No ano passado, os críticos da região do Corno de África denunciaram as declarações pouco veladas do Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, como intimidação.
O presidente chamou as fronteiras do seu país sem litoral uma “prisão geográfica” e referiu-se ao Mar Vermelho como a “fronteira natural” da Etiópia. Exortou a Eritreia, o Djibouti e a Somália para negociarem o acesso ao porto a fim de “assegurar uma paz duradoura.”
“Queremos conseguir um porto por meios pacíficos, mas, se isso falhar, usaremos a força,” Abiy disse numa reunião de empresários, segundo o jornal queniano The Nation.
No dia 1 de Janeiro de 2024, Abiy levou o seu plano um pouco mais longe ao assinar um pacto com a região separatista da Somalilândia para arrendar o acesso ao porto.
“Esta é a boa notícia que trazemos a todo o povo da Etiópia, da Somalilândia e a todas as pessoas que amam a paz e o desenvolvimento,” Abiy disse numa conferência de imprensa transmitida pela televisão com o Presidente da Somalilândia, Muse Bihi Abdi, na capital da Etiópia, Adis Abeba.
O acordo de 50 anos prevê que a Somalilândia arrende 20 quilómetros de costa à Etiópia para ter acesso ao porto e estabelecer uma base naval. Em troca, a Etiópia dará à Somalilândia um número não revelado de acções da sua companhia aérea estatal.
Durante a assinatura televisionada, Abdi deu uma notícia surpreendente ao dizer que a Etiópia também se tornará o primeiro país a reconhecer a Somalilândia como uma nação independente.
“Toda a região ficou em polvorosa com estas declarações,” Samira Gaid, analista sénior da Balqiis Insights sobre o Corno de África, disse ao The New York Times.
A redacção do memorando de entendimento, no entanto, não foi tornada pública e não é juridicamente vinculativa. Dois dias após a assinatura, o governo etíope tentou esclarecer que o acordo apenas incluía “disposições … para efectuar uma avaliação aprofundada com vista a tomar uma posição relativamente aos esforços da Somalilândia para obter o reconhecimento.”
A Somália foi invadida por protestos e manifestações, que consideraram a iniciativa um acto de agressão contra a soberania do país.
O Presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, prometeu ao parlamento, a 2 de Janeiro, que “nem um centímetro da Somália pode ou será cedido por quem quer que seja.” “Ninguém tem o poder de dar um pedaço da Somália.”
Houve também protestos em toda a Somalilândia.
“A Etiópia continua a ser o nosso inimigo número um,” Abdiqani Mohamud Ateye, Ministro da Defesa da Somalilândia, disse numa entrevista à televisão local, a 7 de Janeiro, antes de apresentar a sua demissão em protesto contra o que chamou de negociações impróprias. “Abiy Ahmed quer tomar [a terra] sem a arrendar ou possuir.”
A Somalilândia declarou a independência da Somália em 1991, mas não é reconhecida pela União Africana nem pelas Nações Unidas.
A Etiópia, o país sem litoral mais populoso do mundo, perdeu o acesso directo ao Mar Vermelho em 1993, quando a Eritreia se tornou independente após quase 30 anos de guerra. Mais de 95% das mercadorias importadas pela Etiópia passam pelos portos de Djibouti, com um custo de cerca de
1,5 bilhões de dólares em taxas anuais.
O pacto territorial da Somalilândia ameaça um conflito adicional para a Etiópia, que tem enfrentado instabilidade interna nas suas regiões de Oroma, Tigré e Amhara.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto, Sameh Shoukry, cujo país está envolvido numa amarga disputa com a Etiópia por causa do represamento do Rio Nilo, disse que o acordo com a Somalilândia é a última de uma série de acções unilaterais da Etiópia que não têm em conta os interesses de outros governos africanos.
“O relatório confirmou o ponto de vista egípcio sobre o efeito destas políticas na estabilidade regional e no aumento da tensão entre as nações,” disse ao jornal The National. “A Etiópia tornou-se uma fonte de agitação nos seus arredores regionais.”
Matt Bryden, conselheiro estratégico da Sahan Research, um grupo de reflexão sediado no Quénia, disse que a região está agora a esforçar-se por lidar com o efeito em cascata do acordo de Abiy com a Somalilândia.
“O Egipto pode resistir às ambições da Etiópia de estabelecer uma presença naval no Mar Vermelho e no Golfo de Áden,” disse à The Associated Press. “Djibouti pode sentir uma ameaça aos seus interesses comerciais enquanto principal porto da Etiópia.
“Os membros da União Africana e da Liga Árabe serão pressionados por todas as partes a tomar posições. Por isso, é muito provável que haja uma escalada nas posturas políticas e diplomáticas de todas as partes.”