EQUIPA DA ADF
O confronto entre as Forças Armadas do Sudão (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF) é a mais recente erupção de violência militar num país que já sofreu 35 golpes de Estado ou tentativas de golpe desde 1956.
Alguns dos golpes transferiram o poder entre chefes militares. Outros terminaram períodos curtos de regime democrático nas décadas de 1950, 1960 e 1980.
A longa história de governos militares no Sudão “tem-se oposto à luta persistente do povo sudanês para criar uma ordem política democrática,” escreveu recentemente o investigador Gashaw Ayferam para o Carnegie Endowment for International Peace.
Tal como os anteriores golpes e tentativas de golpe, a violência actual é alimentada por uma abundância de armas, mas ainda mais pelos interesses financeiros em competição num governo construído em torno do compadrio, da cleptocracia e da utilização de cargos públicos para proveito pessoal, segundo Ayferam.
Por essa razão, a luta pelo domínio entre o líder das SAF, o General Abdel Fattah al-Burhan, e o líder das RSF, conhecido como Hemedti, tem tanto a ver com a preservação da riqueza de cada um como com a futura configuração da segurança nacional do Sudão, dizem os observadores.
No processo, os generais em guerra ameaçam dividir o país, segundo o especialista sobre Sudão, Alex de Waal, director-executivo da World Peace Foundation.
“A luta começou como um tiroteio entre mafiosos para decidir que cartel de soldados e empresários iria governar o Sudão,” escreveu de Waal recentemente no The Conversation. “Mas os dois chefes estão a perder o controlo.”
O conflito que começou a 15 de Abril tem as suas raízes na decisão de 2017 do antigo ditador Omar al-Bashir de instalar as RSF como uma força militar independente e leal a ele, que seria uma protecção contra as SAF.
As RSF foram criadas a partir da milícia Janjaweed, de Darfur, que al-Bashir utilizou na década de 2000 para reprimir as rebeliões na parte ocidental do país. Depois de 2017, os experientes combatentes de rua das RSF tornaram-se uma extensão das forças armadas e reprimiram protestos e manifestações em Cartum e noutros locais, capacidades que se tornaram uma vantagem quando os combates eclodiram este ano.
Al-Bashir recompensou Hemedti e a sua família com acesso às minas de ouro do Sudão — acesso que fez de Hemedti um dos homens mais ricos do país e o ajudou a estabelecer laços com os mercenários russos do Grupo Wagner, que entraram no país em 2017. Juntos, Hemedti e o Grupo Wagner contrabandeiam grandes quantidades de ouro sudanês para fora do país para o seu próprio benefício.
Enquanto chefe das SAF, al-Burhan, tal como outros líderes militares, beneficiou do profundo envolvimento do exército na economia nacional do Sudão. O exército controla 250 empresas em sectores industriais fundamentais que incluem minas de ouro, campos de petróleo e agricultura. Antes do golpe de Estado sudanês de 2021, o então Primeiro-Ministro, Abdalla Hamdok, observou que o exército controlava uma grande percentagem dos recursos do Sudão, o que o desresponsabilizava perante o governo e enriquecia os seus dirigentes. Ele comprometeu-se a devolver alguns desses recursos ao governo.
O exército também tem as suas próprias instalações de fabrico de armas, o que lhe confere o poder de fogo que os seus rivais das RSF adquiriram ultimamente, quer através do tráfico de armas do exterior do Sudão, através do Grupo Wagner, quer através de ataques a bases militares.
As forças alinhadas tanto com al-Burhan como com Hemedti correm o risco de perder enormes quantidades de riqueza se perderem esta luta. Hemedti e as RSF também correm o risco de perder a sua independência com uma proposta que os funde com as SAF. Ao tentar fazer das RSF a força militar dominante do Sudão, Hemedti procura também garantir o seu controlo sobre a indústria de extracção de ouro do país.
Se as SAF prevalecerem contra as forças paramilitares de Hemedti no centro do país, é provável que as RSF criem o seu próprio feudo em Darfur, onde já têm o seu quartel-general. Isso dividiria essencialmente o controlo do Sudão entre as RSF no oeste e as SAF no resto do país, de acordo com Suliman Baldo, director-executivo do Sudan Transparency and Policy Tracker.
Qualquer território governado pelas RSF seria provavelmente sujeito à brutalidade e à destrutividade que se tornaram a sua imagem de marca, segundo de Waal.
“O modus operandi das RSF é atacar e saquear tudo — mercados, quintas, escolas, hospitais — deixando um terreno baldio,” escreveu de Waal. “Os milicianos expulsam os residentes locais, mas só se podem sustentar se forem atrás de novas vítimas. Com o tempo, ficarão sem cidades para pilhar.”