EQUIPA DA ADF
Apesar de muita especulação, indicando que os credores chineses estiveram a construir uma famosa “armadilha da dívida” como uma forma de reivindicar activos nacionais fundamentais dos seus mutuários africanos, uma análise do grupo de reflexão Chatham House sugere que a China pode ter, na realidade, colocado a si própria numa armadilha.
“Nalguns casos, os empréstimos eram descuidados e não estratégicos nem particularmente políticos,” analista da Chatham House, Alex Vines, disse à ADF num e-mail. “Suspeito que isso tenha resultado numa armadilha da dívida reversa. É por isso que Pequim utilizou o seu travão de mão em empréstimos extravagantes em 2018 e tem sido muito mais selectivo desde então.”
Nas últimas duas décadas, a China assinou aproximadamente 1.200 acordos de empréstimos, avaliados em 160 bilhões de dólares, com os países africanos, de acordo com o Projecto Empréstimos Chineses para África, da Universidade de Boston. A maior parte desses préstimos vem de entidades estatais como o Exim Bank da China. Tais empréstimos possuem taxas de juro mais elevadas e períodos de reembolsos mais curtos em relação aos empréstimos de entidades internacionais como o Banco Mundial.
Nalguns casos, os empréstimos foram feitos para projectos — como a Linha Férrea de Bitola Padrão do Quénia, avaliada em 5 bilhões de dólares — com base em estimativas financeiras que excedem muito a capacidade de produção dos projectos. A turbulência económica causada pela pandemia da COVID-19 e pela invasão da Ucrânia pela Rússia deixaram 22 dos 54 Países de África numa situação de sobreendividamento e a enfrentar o risco de incumprimento, de acordo com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A Zâmbia foi o primeiro país africano a registar um incumprimento no pagamento da sua dívida. O Djibouti recentemente anunciou que estava a suspender o pagamento de 1,4 bilhões de dólares em empréstimos chineses. Outros países como Angola, Etiópia, Quénia e a República do Congo estão a enfrentar dificuldades em cumprir com as suas obrigações.
“O aumento dos preços de produtos alimentares e de energia é notável nas partes mais vulneráveis da região, e a dívida pública e a inflação encontram-se em níveis jamais vistos em décadas,” escreveu o FMI num comunicado, em Outono último.
De acordo com o FMI, a dívida governamental em África é em média cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), um nível que foi registado pela última vez duas décadas atrás. Nalguns casos, como o Gana, a dívida do governo chega a atingir 85% do PIB.
Os rácios dívida-PIB elevados colocam os países em risco de incumprimento e podem diminuir a sua capacidade de contrair mais empréstimos.
A dívida chinesa é dominada por empréstimos privados, como aqueles do Exim Bank, que custa mais do que os empréstimos de credores internacionais como o FMI e corre o risco de ser prorrogada, agravando os problemas financeiros dos credores.
Desta forma, tudo indica que a China encontra-se numa armadilha da dívida feita por si própria em África, afirmam os analistas. Os bancos chineses simplesmente não se podem dar ao luxo de absolver os países de biliões em dívida na forma como podem os credores governamentais ou internacionais. A China encontra-se, nas palavras dos analistas da Chatham House, profundamente emaranhada “com os parceiros africanos renitentes e cada vez mais determinados.”
Enquanto o sobreendividamento dos países africanos aumenta, também aumenta o risco de que mais países venham a seguir o exemplo da Zâmbia e simplesmente se recusem a reembolsar os seus empréstimos. A Zâmbia recentemente cancelou bilhões em empréstimos chineses pendentes como parte de um acordo de restruturação da dívida.
Nos últimos anos, a China reduziu os seus empréstimos em África, baixando de 28,4 bilhões de dólares, no seu pico, em 2016, para 1,9 bilhões de dólares, em 2020. “Os empréstimos mais recentes foram para países como a Costa do Marfim, que demonstraram um histórico de pagamentos confiável,” disse Vines à ADF.
Contudo, restringindo os seus empréstimos, a China efectivamente encerrou projectos que os países africanos consideram ser cruciais para expandir as suas economias, fazendo com que seja mais difícil sair dos problemas financeiros.
As práticas de empréstimos obscuros da China, que muitas vezes proíbem que seja revelado o valor ou os termos dos empréstimos, fazem com que seja difícil saber exactamente quanto os países devem. Como resultado, as agências internacionais estão resultantes em fornecer aos países uma ajuda que pode reduzir o seu sobreendividamento.
Esta mesma falta de transparência opera contra os credores chineses, que também não têm uma ideia clara de quão profundamente endividados os potenciais mutuários estão, de acordo com Vines.
“A transparência nos empréstimos seria útil para todos, para avaliar a sua sustentabilidade e valor — para os cidadãos, em primeiro lugar, mas para os próprios credores chineses que, muitas vezes, estão em concorrência uns contra os outros e não em coordenação.”