EQUIPA DA ADF
Não houve tiroteios em Banjul, a capital da Gâmbia, no dia 20 de Dezembro de 2022 ou no dia seguinte, quando o governo anunciou que tinha frustrado uma tentativa de golpe de Estado.
O que começou com boatos terminou com uma declaração oficial.
“Com base em relatórios de inteligência, alguns soldados do exército gambiano estavam a planificar depor o governo democraticamente eleito do presidente Adama Barrow,” lê-se.
“O alto comando das GAF [Forças Armadas da Gâmbia], numa rápida operação militar realizada ontem, prendeu quatro soldados ligados a esta alegada tentativa de golpe de Estado.”
No dia 27 de Dezembro, a Gâmbia anunciou que um painel investigativo composto por 11 membros iria investigar e produzir um relatório sobre a tentativa de golpe de Estado. As suas conclusões, previstas para 30 dias depois, ainda não foram publicadas.
Até agora, a investigação produziu acusações contra dois civis, um oficial de polícia e oito soldados, um dos quais continua em parte incerta. Os outros 10 acusados estão na prisão.
No dia 29 de Dezembro, o conselheiro de segurança nacional, Abubakarr Suleiman Jeng, disse à imprensa que os perpetradores pretendiam “prender os ministros e funcionários seniores do governo para usá-los como reféns, para impedir qualquer intervenção estrangeira.”
“Eles também tinham planos para reformar todos os oficiais militares seniores, a partir da patente de Major, e reestruturar [o exército].”
Barrow finalmente falou sobre a notícia no seu habitual discurso da noite de vésperas do Ano Novo, difundido em televisão nacional.
“É lamentável que um punhado de soldados tenha recentemente planificado depor o governo do dia, democraticamente eleito,” disse. “As consequências devastadoras de deposição ilegal um governo constitucionalmente eleito nunca podem justificar os meios empregues, nem os propósitos imprudentes para tais crimes mortais.
“Os gambianos já viveram num regime militar e sabem como a tomada de poder pelo exército desestabilizou, desuniu e isolou países na sub-região que tiveram dificuldades de viver com eles.”
Embora o governo de Barrow tenha produzido alguns detalhes, não existem indicações sobre o que motivou a tentativa de golpe de Estado.
As teorias são muitas.
David Aworawo, professor de relações internacionais e estudos estratégicos na Universidade de Lagos, na Nigéria, sugeriu que pode simplesmente ter sido uma questão de imitar os recentes golpes que ocorreram na região.
A África Ocidental já teve um surto de golpes e tentativas de golpe de Estado nos últimos dois anos. Juntas militares tomaram o poder no Burquina Faso, na Guiné e no Mali, e o governo da Guiné-Bissau impediu uma tentativa de golpe de Estado em Fevereiro de 2022.
A Gâmbia também possui um histórico de golpes. O predecessor de Barrow, Yahya Jammeh, assumiu o poder num golpe de Estado militar sem derramamento de sangue, em 1994, e sobreviveu a várias tentativas de golpe de Estado antes de ser deposto em 2016.
Exilado na Guiné Equatorial, Jammeh continua a ser um factor na política polarizada da Gâmbia.
Aworawo disse que a falta de confiança de Barrow no exército pode ter desempenhado um papel na tentativa de golpe de Estado.
Vários oficiais seniores saíram do Exército Nacional da Gâmbia quando Barrow assumiu o poder, em 2017, tendo resultado em relações instáveis entre o presidente e as forças armadas.
“Em 2017, ele foi investido no Senegal, nem sequer na própria Gâmbia,” Aworawo disse numa entrevista com o canal nigeriano TVC News. “Desde essa altura, tivemos elementos, no exército, leais a Yahya Jammeh, que procuram causar problemas para Barrow.”
Barrow emprega tropas senegalesas para garantirem a sua segurança pessoal. O aeroporto internacional da Gâmbia e o seu porto marítimo primário são protegidos pelas forças nigerianas e ganesas, respectivamente, de acordo com a BBC.
A presença de soldados estrangeiros tem sido mal vista, mas Barrow facilmente venceu a reeleição, em Dezembro de 2021, conseguindo 53% dos votos.
O analista político gambiano, Sait Matty Jaw, director-executivo do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento de Políticas, sediado em Banjul, ficou chocado pela tentativa de golpe de Estado e disse que algumas pessoas questionaram a sua autenticidade.
A administração de Barrow enfrenta vários problemas espinhosos, disse Jaw.
“As pessoas estão frustradas com o progresso limitado que tem sido feito desde a saída de Jammeh e ainda não existe uma Constituição,” disse à Voz da América. “Muitas pessoas atribuem a culpa deste incidente à falta de uma reforma no sector de segurança.”
Jaw disse que os gambianos estão preocupados com a economia do país, mas eles, em termos gerais, não apoiam o envolvimento do exército nos assuntos políticos do país.
“Existem tantos outros problemas que preocupam as pessoas,” disse. “Também sabemos que a maioria dos gambianos não são adeptos de golpes, com base em dados de um inquérito.”
Aworawo também avançou a teoria de que a pobreza tenha alimentado o descontentamento na Gâmbia.
“A inflação ainda está muito elevada naquele país, os problemas económicos ainda são muito extensivos e a qualidade de vida ainda é muito baixa,” disse. “Já tivemos protestos. Por isso, o optimismo de 2017 deu lugar ao pessimismo, e a esperança deu lugar ao desespero.”