EQUIPA DA ADF
Os especialistas em matérias de agricultura de África estão a apelar para que os países de todo o continente aumentem a sua capacidade de produção local de alimentos para evitar futuros choques alimentares como aquele criado pela invasão da Rússia à Ucrânia.
A invasão, que começou em Fevereiro, encerrou as exportações de cereais, fertilizantes e outros componentes agrícolas fundamentais de ambos os países, que são dois dos principais exportadores de produtos alimentares no mundo. Como resultado, os preços de pão e outros produtos alimentares básicos dispararam em toda a África, dando início a uma crise nutricional em alguns países.
África faz 4,5 bilhões de dólares em negócios com a Ucrânia, sendo a grande maioria destes negócios na importação de cereais. O mesmo ocorre para os 4 bilhões de dólares em comércio com a Rússia. Estas importações incluem fertilizantes, que também aumentaram vertiginosamente no preço, pressionando ainda mais a capacidade dos agricultores de produzirem comida.
Mais de uma dezena de países africanos depende da Rússia ou da Ucrânia para todas as suas importações de trigo. Os níveis variam de 10%, na Zâmbia (da Ucrânia), a 100%, na Eritreia (divididos de forma igual pela Ucrânia e Rússia), de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
Para muitos países de África, a perda repentina de importações de cereais destacou a dimensão da dependência de países estrangeiros para o sustento — e a dimensão da vulnerabilidade para a sua população.
“O impacto directo e indirecto da crise na agricultura de África merece um olhar mais minucioso, não apenas sobre como isso causa um impacto negativo sobre o sector, mas também tendo em conta as oportunidades emergentes para repensar os investimentos agrícolas africanos doravante,” Dr. Canisius Kanangire, director-executivo da Fundação de Tecnologia Agrária Africana, sediada em Nairobi, disse recentemente num fórum virtual.
Kanangire falou sobre como o conflito Rússia-Ucrânia enfraqueceu a segurança alimentar em países altamente dependentes de trigo e fertilizante provenientes da região do Mar Negro.
No mesmo fórum, Kabir Ibrahim, antigo presidente nacional da All-Farmers Association, da Nigéria, disse que o actual choque alimentar serve de lição sobre como a agricultura africana deve mudar se o continente pretende reduzir a sua vulnerabilidade para eventos externos. Ele apelou para se desenvolver um sistema alimentar africano eficiente.
“Todos os países de África devem comprometer-se em fazer investimentos significativos na agricultura para reforçar os seus sistemas alimentares a fim de evitar mais crises e desafios relacionados com a segurança alimentar e física que assola o continente,” disse Ibrahim ao fórum.
Os países africanos dependentes de cereais do Mar Negro tiveram algum alívio recentemente quando um acordo celebrado pelas Nações Unidas permitiu que a Ucrânia e a Rússia reiniciassem as exportações de cereais e fertilizantes para África e para outras partes.
Nos camarões, Célestin Tawamba, director da maior produtora de farinha e de massas daquele país, respirou de alívio. “A situação estava apertada, por isso, o acordo irá ajudar-nos a respirar,” disse Tawamba ao jornal The New York Times.
Embora o acordo ofereça um alívio a curto prazo para a insegurança alimentar de África, o Dr. Ousmane Badiane, fundador da Akademiya2063, um grupo de reflexão do Ruanda, apelou para que os países africanos analisassem mais profundamente sobre como podem prever e preparar-se para futuros choques aos seus sistemas.
“Mesmo se tivéssemos que duplicar a produção agrícola de África hoje, os choques no mercado mindual seriam transmitidos para os nossos mercados locais,” disse Badiane ao fórum virtual.
Esperando criar um modelo agrícola para o futuro, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) recentemente anunciou o início de um projecto que visa ajudar agricultores africanos a produzirem 30 milhões de toneladas métricas a mais de trigo, arroz e soja, como uma garantia contra o tipo de choques que o continente agora enfrenta.
“Se não conseguirmos fazer isso de forma muito rápida, isso irá realmente desestabilizar o continente,” presidente do BAD, Akinwumi Adesin, disse à Al-Jazeera, no início deste ano.
No dia 27 de Julho, o BAD reuniu líderes governamentais em Sinématiali, no norte da Costa do Marfim, para o lançamento da primeira pedra de um novo centro agro-industrial, destinado a expandir oportunidades para os agricultores locais e aumentar a produção de arroz, milho, castanha de caju e produtos de origem animal daquele país.
“Este projecto é uma enorme iniciativa que faz parte da nossa ambição para o desenvolvimento de um novo tipo de agricultura na Costa do Marfim,” Primeiro-Ministro, Patrick Achi, disse durante a cerimónia. “Desenvolver a agricultura na Costa do Marfim tem a ver com aumentar o bem-estar da nossa população todos os dias.”