EQUIPA DA ADF
Membros do movimento de protestos do Sudão estão a denunciar um acordo de partilha de poder recentemente assinado pelo exército daquele país e pela liderança civil. Muitos esperavam que o acordo colocasse o país no caminho da democracia, mas agora temem que irá permitir que o exército mantenha a sua influência no poder.
O novo acordo foi assinado em finais de Novembro pelo Primeiro-Ministro Abdalla Hamdok e pelo General Abdel Fattah Al-Burhan, cerca de um mês depois de Al-Burhan ter liderado um golpe militar que prendeu Hamdok e os membros do Conselho de Soberania do Sudão.
O acordo de 14 pontos cria um novo Conselho de Soberania e restitui Hamdok ao seu cargo, mas naquilo que alguns consideram de um Estado politicamente enfraquecido. O plano apoia o acordo de paz de Juba, liberta prisioneiros políticos e forma um Conselho Legislativo. Também apela à reforma do Comité de Desmantelamento, que teve a tarefa de reivindicar terras e recursos naturais adquiridos de forma ilegal pelo antigo ditador, Omar al-Bashir, e seus companheiros.
Durante a cerimónia de assinatura, em que Hamdok e Al-Burhan partilharam uma mesa, Hamdok disse que apoiava o governo como uma forma de evitar empurrar o Sudão para uma crise política ainda maior.
“Todos podemos impedir que o nosso país se mergulhe no desconhecido,” disse.
Uma coisa que não estava na lista inclusa no acordo: uma data para a transição para o governo civil. Analistas sugerem que isso podia permitir que o exército permanecesse no poder de forma indefinida.
A falta de uma data para a transição para um governo totalmente civil motivou os protestos generalizados contra o exército.
“A principal exigência das ruas não foi a libertação de Hamdok, mas a remoção do exército da política,” Kholood Khair, parceira gestora do grupo de reflexão Insight Strategy Partners, com sede em Cartum, escreveu no Twitter.
Khair descreveu a revisão do acordo como um acobertar, um golpe para reduzir a pressão internacional sobre Al-Burham e seus apoiantes.
O novo acordo não inclui o papel das Forças para a Libertação e Mudança (FFC, na sigla inglesa), a coligação que apoiou Hamdok. Eliminando as FFC do seu acordo revisto, as forças de al-Burhan isolaram efectivamente Hamdok e fizeram com que ele fosse dependente do exército para a sua sobrevivência política, disse Khair.
“Sem [uma] protecção entre o PM + exército, ele enfrenta mais e não menos pressão militar,” escreveu ela, no Twitter.
Al-Burhan foi o presidente do Concelho de Soberania conjunto, civil-militar, formado para governar o país depois da deposição de al-Bashir, em 2019.
Nos termos do acordo que criou o Conselho de Soberania, o exército que dirigiu o conselho por metade dos 18 meses do período de transição, tinha de fazer a passagem da liderança aos membros civis, em meados de Novembro. O golpe de 25 de Outubro de al-Burhan desfez estes planos.
Antes do golpe, os membros civis do Conselho de Soberania tinham começado a investigar abusos feitos pela Força de Apoio Rápido, do Exército, e tinham começado a cobrar impostos sobre interesses empresariais dos militares. O exército do Sudão está profundamente envolvido na economia nacional.
Jok Madut Jok, um professor da Universidade de Syracuse, especialista em governação sudanesa, observou que os novos termos de al-Burhan reflectem amplamente o acordo original, incluindo a declaração de que a transição irá terminar com eleições.
“Estas eram as mesmas regras que estavam em vigor em 2019,” disse Jok à televisão sul-africana SABC. “Se o exército estivesse simplesmente a olhar para estes pontos, por que eles teriam de depor alguma coisa?”
A revisão do acordo de al-Burhan e o apoio de Hamdok a este acordo criaram a falta de confiança entre a liderança civil do Sudão e o seu exército, disse Jok.
“Isso não deixou boa impressão para a estabilidade daqui em diante,” acrescentou. “Este acordo está muito aquém daquilo que os protestantes querem.”
Samahir Elmubarak, porta-voz da Associação de Profissionais Sudaneses, disse à Al-Jazeera que a paciência do público com al-Burhan e o exército acabou. O exército não cumpriu com a sua promessa de garantir a democracia e o governo de transição, disse ela.
“A única forma através da qual podemos fazer a transição para uma democracia completa é retirando o exército,” disse Elmubarak.
Até que isso aconteça, os protestos pacíficos irão continuar, acrescentou.
“Iremos continuar a lutar até que cheguemos a uma transição civil completa,” disse Elmubarak. “Independentemente de quanto tempo seja necessário, no fim, venceremos.”